Não sei até hoje se a equipe me amava ou odiava, mas imagino que se fizéssemos uma escala, estaria mais para o lado do ódio do que do amor. Uma apresentação que eu fiz para as equipes pode estar na raiz dessa popularidade baixa. Nessa apresentação eu fiz uma provocação sobre o comportamento da equipe, que eu comparei a de uma mula. Hoje sofreria denúncias nas redes sociais e processos de assédio moral, mas a intenção era criar uma imagem forte. Uma imagem que ficasse fixada nos arquivos de Memória do grupo. Como funciona a Psique de Mula? A mula fica empacada por muito tempo, geralmente metade do mês, longe, muito longe das metas. Na metade do mês, a chefia soava o alarme e “incentivava” a equipe com uma chibata que combinava o medo de não atingir a meta com prêmios de última hora e uma sarabanda de “Vamos lá, P...!” que se ouviam pelos corredores, para gerar motivação e foco nos resultados.
Geralmente a Meta era batida, aos quarenta e cinco do Segundo Tempo. Isso gerava estresse e cansaço do esforço dispendido de última hora. No mês seguinte, fazíamos reuniões para evitar a empacada da primeira quinzena, mas o que acontecia? Nova empacada na mula e novo período de apatia e procrastinação, seguida do uso da chibata chamada de Reforço Positivo e Negativo, na segunda quinzena. Felizmente havia um psiquiatra na Diretoria, impedindo o processo de passar do ponto e a equipe começar a desmoronar em quadros de Burnout, que na época não eram chamados de Burnout. Mas o sistema era difícil de mudar, já que o tipo de gestão havia criado uma espécie de dependência da Adrenalina da segunda metade do mês. Pensando bem, não é difícil de identificar esse modelo em nossa cultura de deixar as coisas para a última hora para que o medo e a urgência do tempo gerar um trabalho intenso e concentrado, gerando resultados com grande gasto de energia.
Lamento dizer que, depois de todos esses anos, a indústria do Discurso Motivacional continuou alimentando e perpetuando a Psique de Mula nas corporações. Observamos Filósofos Pop, Intelectuais Ungidos e Neurocientistas de Youtube pregando a Motivação, Foco, Protagonismo e Enfrentamento da Acomodação como modelo para bons resultados no trabalho. É óbvio que tem gente bem intencionada pregando essas ideias e que esses valores são quase sempre bastantes positivos para a Produtividade, mas onde estão as minhas reticências?
O Modelo da Mula prevê a necessidade de estímulos, positivos e negativos, para a equipe poder cumprir as tarefas. Isso gera resistência passiva, medo e desgaste energético. O Cérebro é um órgão como outro qualquer, e quando solicitado ao seu limite, começa a perder eficácia e a entrar em fadiga. Uma equipe com muita gente entrando em Burnout ou adoecendo de doenças psicossomáticas é um marcador de que o modelo está gerando exaustão e sendo contraproducente.
O modelo que tentamos imprimir na equipe era de trocar a falácia da Motivação e os berros de “Vamo`lá, p... !” pela criação de um novo hábito de consistência. Isso passava pela diminuição da procrastinação pela criação de um sistema com menor ruído e atrito entre a vontade de fazer e a delícia de adiar a tarefa. Havia então uma quantificação de tarefas e um incentivo de seu cumprimento de maneira rotineira reduzindo os atritos internos e externos. O foco passou a ser dirigido para trabalhar de maneira consistente todo dia, em vez de grandes correrias de final de mês. O foco era em atingir metas dia após dia. Em vez de ter grandes estrelas que centralizavam os resultados e as comissões, o foco foi em tornar a equipe mais homogênea. A consequência era de melhor ganho para todos, mantendo as estrelas com bons resultados, já que queriam continuar no estrelato.
Incentivar o Foco, Protagonismo e o Excepcional não é, em si, o grande problema. O grande problema é estabelecer Metas e chibatas corporativas sem ensinar às pessoas a maneira de jogar o jogo e criar rotinas para atingir os melhores resultados. É como um técnico “boleirão” que joga as camisas para cima para cada um pegar e que grita: “Vamo´lá, cacete! Vamo’ ganhar!” .
Vontade de ganhar é importante. Saber como ganhar é mais importante ainda.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta junguiano e autor do livro “Stress o Coelho de Alice Tem Sempre Muita Pressa”
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