Emagrecer e esculpir o corpo para exibir na praia ou na piscina é a ordem do chamado "projeto verão". A pressão estética que está impregnada nesta expressão e nos apelos das redes sociais é um dos fatores por trás de um problema que vem se agravando desde o início da pandemia de Covid-19: o transtorno da compulsão alimentar.
A cuidadora de idosos Nilcéa de Oliveira acredita que convive com o transtorno da compulsão alimentar há mais de vinte anos, mas só há poucos meses confirmou o diagnóstico. Ela conta que no período mais severo do distanciamento social estava tão assustada que buscou conforto nos alimentos. "Eu não conseguia controlar. Muitas das vezes eu comia sem fome ou senão ficava beliscando o dia inteiro", desabafa.
O psiquiatra José Carlos Appolinario, que coordena o Grupo de Obesidade e Transtornos Alimentares no Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, explica que os gatilhos para a compulsão alimentar estão mais presentes na pandemia: mais tempo em casa, conflitos intrafamiliares, comida estocada, medo, ansiedade, entre outros. Tudo isso agravou a situação de quem enfrenta o problema.
O transtorno da compulsão alimentar é caracterizado pela perda de controle da quantidade de alimentos que se ingere. São episódios de muito exagero, em que a pessoa come até se sentir muito cheia e depois sente culpa e tristeza. Quando isso ocorre pelo menos uma vez na semana por três meses seguidos é o que a psiquiatria chama de transtorno da compulsão alimentar.
As causas são variadas, podendo ser biológicas, genéticas, psicológicas, socioculturais e familiares. Embora homens e meninos também sofram com o problema, a compulsão alimentar é mais comum entre mulheres e meninas, afirma a nutricionista Bia Rique.
"Elas têm uma relação mais sofrida com o corpo e com a comida do que os homens", reflete, e muitas vezes a busca pela magreza gera o efeito contrário do idealizado. A profissional recomenda desconstruir a ideia de dieta.
"Quanto mais faz dieta, mais tendência a pessoa tem de ter compulsão alimentar", alerta o psiquiatra Nelson Caldas, do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da UFRJ. Segundo Caldas, remédios que inibem o apetite são perigosos porque restringem a fome por um período e quando são suspensos, o risco é que a compulsão aumente.
Tratamento multidisciplinar
As consequências da compulsão alimentar são diversas, como obesidade, diabetes e depressão. Por isso, o tratamento deve ser multidisciplinar. O Programa de Transtornos Alimentares – AMBULIM - do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, oferecido pelo Sistema Único de Saúde, reúne psiquiatras, psicólogos, nutricionistas, fisioterapeutas, educadores físicos, entre outros profissionais, para atender os pacientes de forma individual ou em grupo.
O psiquiatra colaborador do Ambulim, Alexandre Azevedo, explica que a presença da família é fundamental, "principalmente para desmistificar alguns julgamentos em relação aos portadores de transtornos alimentares". Segundo o especialista, de 1,5 a 3,5 por cento da população mundial tem transtorno de compulsão alimentar.
A tecnóloga em Logística Juliana Maciel está em tratamento para a compulsão alimentar. Ela encara como um "trabalho de formiguinha", com seus altos e baixos. "Você leva um bom tempo se tratando, vai ter recaídas, mas não pode deixar a recaída acabar com o seu tratamento", aconselha.
Cada vez mais adolescentes são diagnosticados com transtorno da compulsão alimentar, afirma a endocrinologista Paula Pires. Uma dica para os pais é tentar controlar o tempo de exposição às telas. "Muitas vezes a criança nem senta à mesa para comer. Fica na frente da televisão ou celular, já vai comendo ali e nem presta atenção se está com fome ou se não está."
Na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, o Núcleo de Assistência Nutricional tem ajudado os alunos a organizarem a alimentação levando em conta as suas rendas familiares. A estudante de Farmácia Thaís Matos, que não tem um diagnóstico fechado de compulsão alimentar, mas tinha uma relação problemática com a comida, foi orientada a separar um tempo para comprar alimentos saudáveis e a deixá-los disponíveis em casa. "Era difícil pra mim perceber quando estava comendo por causa das minhas emoções, agora estou conseguindo desenvolver isso" afirma.
Sobre o programa
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