sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

Santistas contestados lideram e inflamam time em busca da Libertadores

 

Cuca tinha apenas 11 jogos e pouco mais de um mês à frente do Santos, em 15 de setembro de 2020, quando demonstrou incômodo por alguns questionamentos.

 

O técnico mudou de tom durante uma entrevista ao ser questionado sobre as escolhas de Pará e Alison como titulares, minutos após empate sem gols com o Olimpia (PAR), na Vila Belmiro, pela terceira rodada da fase de grupos da Libertadores.

 

"Nós tiramos o Alison durante o jogo. Melhorou depois que ele saiu? Quantas chances tivemos a mais? Não se trata de culpar um jogador", rebateu Cuca na ocasião.

 

Pará era visto quase como um intruso naquele time, responsável por frear a ascensão do lateral Madson, que vinha de atuações consistentes. Alison costumava ter destacada a técnica pouco refinada no meio de campo que formava com Carlos Sánchez, hoje lesionado, e Diego Pituca.

 

Confirmados na decisão deste sábado, às 17h, no Maracanã, ambos superaram questionamentos para virarem a alma da redenção do Santos na temporada.

 

O capitão Alison, 27, é visto desde cedo como um exemplo de superação dentro do time. Chegou ao clube ainda com 11 anos, longe de ser apontado entre as promessas mais comentadas internamente por dirigentes, mas sempre figurando como titular com todos os treinadores nas categorias de base.

 

"Costumo dizer que é um jogador que corre por dois, que ocupa o espaço de dois dentro de campo, que não tem vaidade, que se doa. Queremos sempre [um jogador assim] na equipe", disse o técnico Claudinei Oliveira, com quem o atleta trabalhou principalmente no sub-20 do clube.

 

Atual treinador do Avaí, Oliveira relembra um pedido inesperado de Alison em janeiro de 2013. Já no profissional e recém-recuperado de duas sérias lesões sequenciais de rompimento de ligamento cruzado anterior dos joelhos, que colocaram a sua carreira em xeque e lhe deixaram com cicatrizes evidentes, pediu para voltar à base e disputar a Copa São Paulo.

 

"Ele me falou que queria participar. Falei para ele pensar bem, pois poderia perder o espaço que tinha [no profissional]. Chegamos na final com cinco jogadores para quatro vagas no meio de campo. Ele quis começar jogando de lateral para ajudar", conta o treinador.

 

Antes da decisão do torneio no Pacaembu, Alison inflamou companheiros com seu discurso. "Vamos fazer valer a pena", iniciou de forma contida e cabeça baixa, antes se posicionar no centro da roda de jogadores e subir o tom: "se precisar, temos que deixar as duas pernas dentro do campo, c.... Os dois braços, o pescoço. Se precisar, temos que deixar a nossa vida dentro do campo, c..., mas a gente não perde", esbravejou.

 

Já em 2021, no vestiário em La Bombonera antes do jogo de ida da semifinal da Libertadores contra o Boca Juniors, sua preleção viralizou pela frase "a gente não pipoca pra ninguém" e ao retrucar um programa de TV argentino que havia dado ao Santos 4% de chances de título, entre os semifinalistas.

 

"Quatro porcento é muito, rapaziada, 4% é muito pra gente. Quando a gente saiu de casa e deixou a nossa família lá, pra correr atrás do nosso sonho, a gente não tinha 4% de chance de chegar aqui. Tinha bem menos", discursou.

 

Além de desconfianças, o volante também superou no Santos uma terceira cirurgia no joelho. Recebeu da torcida o apelido "MMAlison" e "Pitbull", pela intensidade demonstrada a cada partida, mas provou com Cuca ser mais do que isso. Tornou-se peça de encaixe tático fundamental da defesa formada por Luan Peres e Lucas Veríssimo.

 

"Alison é o capitão, é a liderança. É questionado às vezes por algumas pessoas, mas a gente sabe da importância que tem. Existem jogos em que ele é fundamental, como foi o confronto do Boca, aqui e lá", elogiou o treinador.

 

Pará, 34, também se reencontrou na volta ao clube. Causou estranheza, em agosto de 2019, o anúncio do retorno à Vila Belmiro. Contestado por parte da torcida e visto como jogador de pouco valor técnico, parecia incoerente o pedido do então técnico Jorge Sampaoli até ali.

 

"O que eu mais gostava era a determinação dele, a disciplina tática, o respeito à hierarquia. Nunca ligou para críticas", lembra o técnico Sérgio Soares, com quem trabalhou no Santo André, no início de carreira.

 

Nascido em São João do Araguaia (no Pará, a 725 km de Belém), trabalhava com o pai como servente de pedreiro. Levado a São Paulo para testes por um empresário, foi abandonado na capital sozinho, com 13 anos.

 

Passou fome, morou de favor em uma pensão e chegou a dormir de forma improvisada na guarita do campo do Barcelona Esportivo Capela, clube da capital paulista. Foi observado pelo Santo André após um quadrangular de que participou com o Barcelona.

 

"Ele chegou aqui quietinho, nunca criou problemas. Morava no alojamento, começou como volante, mas sempre que o colocavam em outra posição correspondia", conta Celso Luiz de Almeida, presidente do clube do ABC na época.

 

Pará chegou ao Santos em 2008 e ficou até 2012. Ao lado do goleiro Vladimir, é o único remanescente da conquista da Libertadores de 2011. Passou por Grêmio, Flamengo e voltou como um líder do elenco, não mais como o coadjuvante da geração Neymar e Paulo Henrique Ganso.

 

Além da evolução técnica dentro de campo, ajudou a apaziguar ânimos na discussão entre jogadores e diretoria na maior crise financeira vivida pelo clube ao longo da temporada, que acumulou dívidas em pagamentos de salários e direitos de imagem.

 

O Santos chegou a cinco meses de atrasos e divergiu com jogadores sobre os 70% de corte salarial durante a pandemia. Nomes como Eduardo Sasha e Everson entraram na Justiça.

 

Em uma das reuniões, Pará pediu a palavra e discursou sobre a dificuldade vivida pelo mundo. Lembrou a jogadores sobre a oportunidade de vestirem a camisa do Santos. Ganhou a braçadeira de capitão e a confiança de Cuca, que passou a utilizar Madson mais avançado.

 

Se vencer a Libertadores, o lateral conquistará a sua terceira taça do torneio -já venceu em 2011 pelo Santos e 2019 pelo Flamengo. Chegou a hora de os carregadores de piano brilharem.

 

Fonte: Folhapress

 

 

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