Em dez anos de carreira, a PAUS conta com uma discografia
extensa entres álbuns e EPs e agora lança o sétimo trabalho, LXSP (Sony Portugal), gravado no Red Bull
Music Studios, em São Paulo.
Com produção de
Guilherme Kastrup, que também assina as composições com a banda e os
convidados, o disco tem quatro músicas e
conta com as participações especiais da multi instrumentista e compositora, Maria
Beraldo, do rapper Edgar e do vocalista e guitarrista dos Boogarins, Dinho Almeida. Inclusive, a faixa Corpo Sem Margem,
em parceria com Dinho, ganhou um lyric video que resgata as lembranças da banda
durante os quinze dias que estiveram gravando o disco, em maio deste ano. Dia
18 de agosto, eles retornam ao país para se apresentarem no Festival Bananada,
em Goiânia.
O lançamento de LXSP acontece em um momento bastante
interessante, pois a música brasileira nunca esteve tão presente em Portugal
quanto agora. A frequência de artistas que saem do Brasil e atravessam o
Atlântico tem sido cada vez mais alta. E, diante disso, quase que como uma
consequência um tanto quanto óbvia, a troca criativa entre músicos dos dois
países está em ebulição. Um dos resultados dessa união de sotaques pode ser
visto no disco através de um viés lúdico, por vezes, político, afinal, os
nossos movimentos históricos sempre estiveram, de certa forma, em sintonia.
A banda, formada por Hélio Morais (vocal e bateria), Joaquim
Albergaria (bateria e vocal), Makoto Yagyu (baixo e vocal) e Fábio Jevelim
(teclados e vocal), descreve um pouco como foi a experiência de gravarem em São
Paulo: "Aconteceu muita coisa nesses quinze dias. Em São Paulo, no Brasil,
em Portugal e dentro dos PAUS. Mudar dói, mas é preciso. Outras formas de fazer
mostram outros ângulos, outras verdades, aumentam empatia e tornam visíveis
realidades silenciadas. É preciso ver como vivem os outros para perceber que os
outros não existem. Fomos para São Paulo perder-nos, mas não nos encontramos -
encontramos nós", comenta Hélio. "Ir para esta cidade e trabalhar com
estas pessoas, ver e ouvir o que vimos fez com que mudássemos a nossa percepção
de muita coisa. A realidade de São Paulo é múltipla, mágica, assoberbante,
violenta e de uma humanidade maior que tudo. Sentimos muito e percebemos pouco.
O EP que fizemos lá é um testemunho de toda essa experiência, um documento do
que sentimos aqui. A ligação foi feita e chama-se LXSP", completa.
FAIXA A FAIXA
Sobre as músicas do EP, a PAUS fez o seguinte resumo:
"Dinho Almeida, a sereia do futuro que canta nos Boogarins, elevou a
canção pra outro plano e juntos fizemos a 'Corpo sem margem'. Maria Beraldo, a
multi-instrumentista e compositora que nos rachou a cabeça com o seu “CAVALA”
também aceitou colaborar conosco e nos levou para 'Fora de pé'. Por fim o poeta e profeta, Edgar, largou a
lírica e a magia, e incendiou-nos com 'Memória Afetiva Descolonizada'. A última
canção foi a única sem voz, porque não havia palavras - estávamos 'Perdidos em
SP'".
Sobre
Corpo Sem Margem os integrantes da PAUS contam que a ideia
de convidar Dinho para participar foi como uma retribuição a uma colaboração
que a PAUS e os Boogarins fizeram em terras lisboetas em uma ação com a MIL -
Lisbon International Music Network, ano passado.
Dinho lembra, inclusive, que ficou bem animado quando
recebeu o convite: "Achei bom demais quando o Hélio me mandou mensagem
contando que os PAUS estariam no Brasil em maio, mais especificamente gravando
um novo material em São Paulo e que queriam que eu participasse de alguma
música. Sempre achei o fluxo e os movimentos rítmicos das canções deles muito
interessantes e topei logo o desafio, pois percebi que poderia aprender e
desenvolver muito misturando o jeito Boogarins de fazer as coisas com o deles.
Tivemos uma ótima experiência gravando uma faixa e apresentando-a ao vivo
durante o festival MIL do ano passado".
Quando recebeu a demo da música, Dinho conta que sentiu que
ainda faltava algo para 'desaguar as ideias', mas que com a produção da banda
em conjunto com o Kastrup, seguiu um fluxo de criação: "Depois, quando
ouvi a faixa com a intervenções do Kastrup com os PAUS no estúdio, o lance todo
mexeu mais fácil e consegui soltar os versos e gravar tudo em 2 horas. Fiquei
muito impressionado e feliz com o resultado de tudo. A mistura ficou boa e
aberta, de um jeito que ainda tem espaço para as ideias de cada ouvinte que
entrar em contato com a canção".
A ideia do lyric vídeo partiu do diretor Ricardo Silveira,
amigo brasileiro da banda que, ao lado de Tomás Brice, acompanhou e documentou
toda a estadia da PAUS em São Paulo.
"O vídeo é quase que uma imagem direta daquilo que
experienciamos todos os dias no nosso percurso entre o hotel e a Red Bull Music
Studios. Aprovamos logo de primeira, tal foi a identificação de todos com as
imagens", conta Hélio.
Logo em seguida, vem Fora de Pé, em parceria com Maria
Beraldo. A artista conta, inclusive, que o convite da banda surgiu justamente
quando ela se preparava para apresentar a primeira turnê da CAVALA em Portugal:
"estive em íntimo contato com seu
país antes de conhecer a banda pessoalmente. Fora essa sincronicidade foi um
prazer conhecer e colaborar no trabalho desses músicos que têm uma vasta
história e importante contribuição dentro da música experimental. Senti que
eles estão com sede de Brasil, muito interessados por tudo que se passa na
música brasileira e isso tornou a troca muito rica. Na faixa da qual participei
cantei um pouco e conectei meus gritos com meus clarinetes sob uma
instrumentação de camadas da música que os Paus me apresentaram. Criamos uma
atmosfera. A atmosfera desse encontro. Que venham mais!", lembra Maria.
Memória Afetiva Descolonizada é o nome da terceira música do
EP, em parceria com o Edgar. Sobre a música, o rapper brasileiro, escreveu:
"Eu adorei participar do projeto da banda PAUS. Por ser
um um afro descendente com mescla de sangue nativo nascido no Brasil atual,
construindo uma ponte entre o passado e o presente, projetando um afro
futurismo pra além dos termos usados em aprisionamento de classes artísticas,
participar do disco foi relembrar toda história da chegada dos portugueses nas
terras em que meus ancestrais viviam. Além disso, pude reparar nos vícios de
linguagem que ainda estão implantados no nosso vocabulário, todo déficit de
atenção às nossas próprias raízes, o
preconceito e o espírito colonizador que ainda caminha pelas ruas do Brasil
vestindo verde e amarelo, o fascismo escondido sob a epiderme de milhares de
pessoas desinformadas e felizes em estar jogando nossas conquistas de política social num abismo, todo resquício de
escravidão, ao machismo estrutural e a decadência do futebol.
Escutar música africana, comer comida árabe e se vestir com
roupas e acessórios feitos na Ásia, trazendo uma união sincera de quem tem um
histórico de opressor e quem tem
memórias de um oprimido, trocando os lugares de fala por de escuta, e se
permitindo ressignificar os traumas sofridos diariamente, interconectados com
toda história defasada de conquista e descobrimento do Brasil. Fazendo todas as
pessoas nascidas aqui se considerarem mais europeus do que latino americanos.
No momento em que estamos, uma banda portuguesa servir de
base e ouvidos para uma garganta e boca brasileira que grita por existência e o
resgate da sua ancestralidade é um olhar de empatia necessária e obviamente
culturalmente urgente. Minha felicidade em ter participado é afirmar minha
sensação de que não é um favor e, sim, um pagamento de dívida. É o mínimo.
Sabe? Os brasileiros sempre subestimados e tratados como objetos de
intelecto doméstico para quem os vê de
fora. Eu preferiria um milhão de vezes saber falar tupi Guarani ou iorubá do
que ter crescido falando português.
Por fim, Perdidos em SP, fecha o EP. A faixa instrumental
cai como uma luva após do desabafo de Edgar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário