terça-feira, 25 de março de 2025

Adolescência, a série. O Mundo Frágil em que Vivemos

 


Por Marco Antonio Spinelli* - A série “Adolescência” da Netflix é, na minha opinião, uma obra prima. Está em primeiro lugar na plataforma, em diversos países, e isso para mim é uma surpresa imensa, porque está longe de ser uma série de fácil assimilação e conteúdo alucinante. É lenta e dolorida.


Uma cena maravilhosa, entre tantas, mostra uma menina de treze anos olhando desalentada para a escola, na hora da saída. Na sua imensa tristeza, podemos ver que a sua escola não será mais a mesma. A sua vida não será mais a mesma. Sua melhor amiga tinha sido morta na véspera. Ela vira as costas e se soma ao fluxo de crianças deixando o local. Ao fundo, um coro de crianças canta uma música antiga de Sting, “Fragile”, que fala sobre a fragilidade da nossa vida diante da violência. A câmera voa e filma o caminho que vai dar no estacionamento onde a melhor amiga da menina, Katie, tinha sido esfaqueada e morta por um colega. No local onde foi encontrado seu corpo, as pessoas depositavam flores, vários ramalhetes. De uma van, estacionada no estacionamento, desce um homem que, nessa altura, já sabemos que é o pai do menino que matou Katie. Ele deposita no local mais um ramalhete de flores e olha com a expressão tensa e entristecida, como pedindo desculpas pelo ato incompreensível que seu filho tinha cometido. Ao fundo, o coro infantil canta: “A chuva vai cair, mais e mais e vai dizer/Como nós somos frágeis/Como nós somos frágeis”.


 


O ator, produtor e um dos autores da série, Stephen Graham, faz o papel do chefe de uma família cuja vida é despedaçada com a entrada de uma tropa de choque em sua casa, numa manhã comum, e essa tropa entra gritando, com armas pesadas, buscando por Jamie, seu filho. Todos gritam, em desespero, que aquilo só podia ser um engano, eles tinham entrado na casa errada. Jamie urina nas próprias calças, e o policial encarregado de sua prisão permite delicadamente que ele troque de roupa antes de ir para a delegacia. A filmagem é alucinante e feita em plano sequência, isto é, tudo é filmado de uma maneira contínua, como se o expectador estivesse junto com os policiais invadindo a casa, pegando o garoto, vendo ele chorar apavorado dentro da viatura. É de tirar o fôlego. As cenas foram ensaiadas por semanas, para serem filmadas sem cortes, como outro filme incrível, “1917”. Não dá para parar para pegar a pipoca.


 


“Adolescência” deveria se chamar, realmente, de “Pré Adolescência”, pois vai penetrar, sabendo ou não, numa faixa de idade que tem deixado médicos, terapeutas, educadores e pais, de cabelo em pé nos últimos anos: a faixa entre 10 e 14 anos de idade. Foi-se o tempo onde os esforços e as preocupações se voltavam para adolescente acima dos 15 anos, quando hormônios e força física produziam as maiores dores de cabeça nos responsáveis. Um estudo inglês mostrou que a faixa dos 10 aos 14 anos de meninas, por exemplo, tem apresentado um aumento de 10 vezes de autolesão, como cortes em dobras e comportamento auto agressivo, que está diretamente correlacionado com o uso e o abuso de Redes Sociais e telas em geral. Essa faixa etária está sendo olhada com uma lupa pelos pesquisadores e não foi por acaso que é a faixa de idade de Jamie, um menino de 13 anos que tinha uma vida absolutamente normal em uma família de classe média inglesa.


 


Para quem acha que esse texto está repleto de spoilers, saibam que essa série não vai se tratar de “crime e castigo”, ou de investigar e provar se o menino cometeu ou não o crime: os autores entregam o fato logo no primeiro episódio da minissérie. O que é o real mistério a ser solucionado é como aconteceu essa tragédia? O que levou um menino sem antecedentes a atacar uma menina de sua idade com aquela ferocidade?


 


As séries, nesse ponto, começam a cavocar os segredos e as taras ocultas na história do menino, para chegarmos à tranquilizadora conclusão que aquilo ocorreu num lar disfuncional, com pai alcoólatra e violento e mãe espancada como a origem do comportamento violento do menino. Tem uma cena incrível de confronto entre Jamie e uma Psicóloga Forense, designada para avaliar seu estado e periculosidade. Jamie percebe a tentativa da psicóloga de encontrar essa descrição de pai violento na história daquela criança. Aí vem mais um fato estarrecedor, que a série ajuda a trazer à luz: os casos de violência ou mesmo de suicídio sem doença mental prévia. Jamie não vem de um lar abusivo, nem de uma doença mental longa e grave. Ele sofria bullying e já tinha sido humilhado no Instagram pela menina que esfaqueou. Mas não havia nada, absolutamente nada, que pudesse antever aquele comportamento impulsivo e aquela tragédia. Esse é o ponto que assusta: atos impulsivos e violentos, sem indicadores prévios.


 


O que essa série alerta, entre tantas coisas, é sobre os riscos de comportamentos e atos impulsivos dessa população, e da barreira de comunicação e mesmo de entendimento dos pais atônitos sobre os códigos, a pressão darwiniana que esses meninos e meninas sofrem nas redes sociais e no dia a dia. Vou dar um exemplo: Jamie é chamado pela menina que gosta, Katie, de Incel. O detetive descobre, através de seu filho adolescente, que essa gíria significa celibatário involuntário, ou, em tradução livre, “impegável” – nenhuma menina jamais ficaria com o garoto, segundo essa ofensa. Foi disso que a menina Katie xingou seu futuro agressor.


 


Na selva da adolescência, fazer parte e ser aceito pelo grupo é um instinto muito antigo e fundamental para a sobrevivência. Já escrevi em outro artigo sobre a importância do bullying da exclusão nas doenças psiquiátricas dessa faixa etária. O menino chamado de Incel nas redes sociais estava justamente sendo colocado nessa posição: você está excluído da vida amorosa e, sobretudo, sexual. Ninguém vai ficar com você. Como essa faixa etária tem pouca percepção de futuro e da vida onde Jamie vai crescer, de desenvolver e deixar de ser um Incel, então, para ele, aquilo será definitivo e sem saída. E, quando nosso Cérebro tem a sensação de não ter saída, as desgraças acontecem.


 


Nas cenas finais da série, os pais de Jamie lembram, culpados, de deixar o menino fechado no quarto, entrando em sites de ódio sem supervisão. Não dá para deixar nossas crianças seguirem pessoas que colocam seu ódio nas redes, à espera de cliques. E o pior é que as redes estão indo na direção contrária do controle e da regulamentação.


 


Os pais vão ter que levantar a voz, todo dia, contra a violência nas redes e o cyberbullying. E orientar contra o sequestro virtual desses sites de ódio. Pelos Jamies e pelas Katies desse mundo frágil.


 


*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”

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