quarta-feira, 17 de abril de 2024

Autora discute possibilidades para a construção de uma sociedade mais justa



Em entrevista, Margareth Tassinari, autora do romance utópico "Por um vaso de hortênsias", destaca que o preconceito é o principal obstáculo da vida em comunidade

Já imaginou uma realidade igualitária, onde as desigualdades socioeconômicas não existem e o sistema patriarcal não define as relações sociais? Margareth Tassinari sonhou com essa sociedade na infância, utopia que formou a base para a publicação de Por um vaso de hortênsias décadas depois. 


Por meio de personagens que protagonizam um enredo sobre as conexões humanas, a escritora convida os leitores a refletirem acerca das possibilidades de uma vida mais justa, onde o amor é o principal fio condutor das relações e todas as pessoas têm os direitos fundamentais garantidos. Embora eles vivam em uma cidade idealizada, os protagonistas também formam um panorama dos conflitos sociais existentes no mundo real. 


Fora da ficção, a autora acredita que o preconceito com ideais diferentes de viver, pensar e agir é um dos principais obstáculos que impedem a coexistência pacífica em comunidade. Nesta entrevista, ela conta como enxerga na literatura uma ferramenta de reflexão sobre mundos possíveis. Confira na íntegra: 


1. À primeira vista, o título “Por um vaso de hortênsias” sugere uma simbologia significativa. Qual o significado por trás desse título e como ele se relaciona com a história e os personagens?


Margareth Tassinari: As flores simbolizam a beleza, a delicadeza, um alimento para a alma. Devem ser cultivadas com cuidado para não perecerem. São utilizadas para perfumar e enfeitar ambientes e frequentemente para presentear, homenagear e enternecer. No livro, elas representam uma maneira de agradar e trazer felicidade às pessoas, tal como a música, a leitura, a educação, a cultura, o lazer, as amizades, o amor e as atividades familiares e sociais agradáveis. 


Enquanto na segunda casa elas cumprem principalmente uma função estética para garantir a beleza do premiado jardim, na oitava casa cria-se uma relação de afeto com os vários tipos de flores que os personagens ganham como presente, batizam e cuidam com zelo e carinho. Refletindo um pouco, chego a pensar que até o jardim da Irina não cumpre só a função de deixar sua dona orgulhosa de sua beleza, mas que talvez seja seu jeito de agradar às pessoas que ela desacata tanto com palavras e gestos. Seria uma bandeira branca, um aceno para que se aproximassem dela? Talvez a Dinorá tenha entendido esses sinais e conseguido desenvolver laços de amizade com ela. 


2. A narrativa destaca a importância dos laços afetivos e do amor como elementos centrais para a coexistência pacífica em comunidade, ao mesmo passo que oferece uma crítica à construção da sociedade contemporânea. Você poderia comentar sobre essa dicotomia?


Margareth Tassinari: Essa dicotomia é intrínseca às relações humanas. Enquanto se luta para conquistar uma coexistência pacífica em sociedade, depara-se frequentemente com a tendência das pessoas viverem cada vez mais apartadas de seus vizinhos e amigos, relacionando-se com eles de modo distante, virtual e pouco caloroso. Crianças e adultos transitando por um portãozinho no quintal, jantares comunitários e atividades coletivas na rua e na praça parecem ser uma realidade cada vez mais distante do estilo de vida atual, infelizmente. 


3. Apesar de retratar uma sociedade idealizada, o livro também traz personagens cruéis, egoístas e complexos. Qual é a sua visão sobre a natureza humana e sua capacidade de conviver em harmonia, mesmo em uma utopia?


Margareth Tassinari: Independentemente da estrutura social, as relações humanas, em qualquer local e em qualquer tempo (por isso não os especifiquei), podem ser bastante harmoniosas, mas também podem ser conflituosas, em função das características de personalidade de cada um, ou devido a alguma situação desfavorável, um contratempo, um infortúnio ou uma tragédia. Assim, aparecem o amor, o carinho, o desejo, o afeto, a solidariedade, a amizade e a empatia como os aspectos mais positivos dessas relações, misturados ao desamor, à inimizade, ao ódio, à crueldade, à negligência, à vilania, às mentiras, à intriga e ao ciúme, sentimentos indesejáveis para um bom convívio social, mas tipicamente humanos. 


Uma boa estrutura social que garanta que todas as necessidades básicas sejam supridas, um excelente sistema educacional, uma cidade segura, com muitas opções de lazer e entretenimento certamente garantem melhor qualidade de vida para a população e podem ser usados como indicadores do grau de felicidade de um povo, mas não conseguem interferir diretamente nas relações humanas, seja no ambiente familiar, escolar ou social, reduzindo ou eliminando os atritos e as animosidades. Desse modo, viver em harmonia não é algo simples, mesmo em uma sociedade utópica, com todos os direitos básicos garantidos. Brigas e conflitos nunca deixarão de existir enquanto as relações estiverem presentes. 


4. Você menciona que a história reflete sobre os caminhos para a construção de uma sociedade mais respeitosa e feliz. Na sua opinião, quais são os principais obstáculos hoje para alcançarmos uma realidade mais próxima disso? E quais seriam os primeiros passos para superá-los?


Margareth Tassinari: Os principais obstáculos para a construção de uma sociedade mais respeitosa e feliz estão relacionados à prepotência das pessoas que julgam que seu modo de viver, pensar e agir é o mais correto e o único aceitável como possível ou o mais adequado. Quem não age de acordo com esses preceitos é julgado, ridicularizado e banido do grupo.  


Nos lares e nas escolas, a educação dos pequenos modificaria bastante o quadro de não aceitação e preconceito contra o diferente, seja por qualquer motivo. No trabalho, um recurso seria o treinamento para que o funcionário de uma loja, de uma escola, de um hospital, de qualquer serviço público ou privado atendesse de modo respeitoso e sem preconceito qualquer pessoa, sem julgá-la, ridicularizá-la ou agredi-la pela sua idade, suas vestimentas, sua aparência, sua posição social, sua cultura, seus costumes ou suas crenças. 


5. Por fim, como autora, que impacto você espera que seu livro tenha na forma como as pessoas pensam sobre suas próprias vidas e comunidades?


Margareth Tassinari: Espero que o livro nos ajude a repensar nosso modo de vida atual e a promover pequenas mudanças de conduta para nos aproximar de um vizinho ou familiar e, através da amizade, amor e solidariedade, tornar mais leve o viver, reduzindo os conflitos e cultivando os bons sentimentos em relação às outras pessoas, próximas ou não a nós. Seria bom que abríssemos ou derrubássemos portõezinhos que nos afastam das pessoas. Seria bom que levássemos uma flor, um doce ou uma palavra amiga para alguém que sofre, mesmo que não fôssemos capazes de entender os motivos de seu sofrimento. Não nos cabe julgar ninguém, só aceitar cada um do jeitinho que é. 



Sobre a autora: Nascida na cidade de Campinas, em São Paulo, Margareth Tassinari é fonoaudióloga clínica. Também ministrou aulas no Centro Universitário São Camilo e na Universidade São Francisco. Apaixonada por livros desde a infância e com interesse particular pela literatura russa, agora explora o mercado literário com o lançamento de Por um vaso de hortênsias, que marca sua estreia como escritora. 

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