Os poemas de Carolina musicados por Socorro Lira são da obra “Antologia Pessoal” (de 1996). O disco traz onze faixas arranjadas pela violinista Cíntia Zanco, integrante e única arranjadora mulher da Orquestra Jazz Sinfônica de São Paulo, com participações especiais da cantora moçambicana Mingas, do trio paulistano Clarianas e de Célia Sampaio, a “dama” do reggae maranhense.
Musicalmente, Socorro buscou retratar na sonoridade também algo da própria Carolina, trazer a elegância da escritora. E, foi o que Cíntia, como arranjadora de orquestra, trouxe ao álbum: arranjos camerísticos mas contemplando gêneros tradicionais, os batuques brasileiros e afro-brasileiros. A mistura de cordas e percussão, em ritmos como jongo, samba e coco, entre outros, com destaque para a canção.
“O álbum está belíssimo, modéstia à parte, e estou muito feliz com o resultado. Dá-me as Rosas é bonito, é forte, por tudo e por todas que ele reúne. Os arranjos de Cíntia são arrebatadores, eu a conheci há muito tempo e só agora convidei para fazer um trabalho - e isso me causa espanto. Cadê nosso olhar para as realizadoras grandiosas que estão do nosso lado, não é mesmo? Corrigi-me. Queria um disco elegante, como Carolina. No mesmo lugar o popular e aquilo que se diz erudito; que com as cordas e tambores atingimos exatamente o que buscava. Agradeço pela oportunidade de tê-lo organizado aqui e agora. No mínimo, Dá-me as Rosas ficará no lugar reservado às Carolinas, Firminas e tantas outras pessoas que, como eu, não estão exatamente nos destaques da indústria cultural, mas conhecem a paisagem do caminho”, compartilha Socorro Lira.
Pela poesia de Carolina, alguns temas se recortam no repertório do disco. A crítica ao racismo e desigualdade social, destacada na música “Os feijões”, uma das preferidas de Socorro, onde a autora usa uma metáfora perfeita para falar do preconceito racial, da segregação. O amor, do ponto de vista das relações, presente em “Prisão de amor”, e a natureza descrita com esplendor em “Trinado”, sobre os passarinhos.
Carolina Maria de Jesus era uma mulher negra, que teve acesso a uma formação escolar básica apenas, e se tornou escritora, compositora, cantora e poeta. Além de escrever para registrar suas impressões sobre seu cotidiano, trabalhou como catadora de material reciclado em uma época em que esses materiais eram chamados de lixo. A mineira viveu no bairro do Canindé, em São Paulo, e se tornou conhecida por seu primeiro livro ‘Quarto de despejo: diário de uma favelada’, publicado em 1960. Uma das obras mais marcantes da literatura brasileira, com cerca de 3 milhões de exemplares vendidos, em 16 idiomas. Carolina figura como uma das escritoras mais lidas do Brasil.
Socorro comenta sobre a escolha da escritora: “Principalmente por ser a autora que ela é, grandiosa, também por ter ficado, como poeta e escritora, no lugar que sempre reservaram às mulheres, principalmente negras e de pouco poder aquisitivo. Carolina é imensa, um nome excepcional na literatura brasileira e, ainda assim, quase apagado, desconsiderado. E ela nasceu num contexto de desigualdade e injustiça social, exatamente para a gente botar o olhar sobre esse lugar por outra perspectiva, da dignidade humana, da genialidade que as pessoas têm, independentemente do lugar que elas nascem”.
Este disco faz parte do projeto AvivaVOZ, idealizado por Socorro Lira, Maria Valéria Rezende e Susana Ventura. Carolina é uma das dez escritoras-poetas selecionadas para compor o projeto, que já teve dois lançamentos: “Cantos à Beira-mar”, com a poesia de Maria Firmina dos Reis e Noturno, com Ruth Guimarães, ambos na música de Socorro Lira e disponíveis nos aplicativos de música.
Em forma de música, Socorro busca ampliar as possibilidades de trazer à tona e evidenciar essas vozes esquecidas ou apagadas do universo literário brasileiro.
Projeto viabilizado por meio do ProAC edital, produção Liraprocult, realização CultSP, Secretaria de Cultura, Economia e Indústria Criativas do Estado de São Paulo e Governo do Estado de São Paulo.
Dá-me as Rosas - Faixa a Faixa
1. Os feijões (participação de Célia Sampaio)
2. Dá-me as Rosas
3. Trinado (participação de Mingas)
4. Súplica de amor
5. Prisão de amor
6. Inspiração
7. Noites de São João
8. As aves (participação de Clarianas)
9. O prisioneiro
10. O turco e o lampião
11. Hipocrisia
Ficha Técnica
Disco: Dá-me as Rosas – a poesia de Carolina Maria de Jesus na música de Socorro Lira
Letras: Carolina Maria de Jesus
Direção artística e de produção, melodia e voz: Socorro Lira
Direção musical e arranjos: Cintia Zanco
Participações especiais, vozes: Célia Sampaio, Clarianas e Mingas
Músicos/as convidados/as: André Rass, Aline Gonçalves, Cássia Maria, Clara Bastos, Cintia Zanco, Decio Gioielli, Gê Côrtes, Giovanni Matarazzo, Gilson Machado, Jefferson Rodrigues, Mariô Rebouças, Nelson Rios, Paulo Dias, Rafael Cesário, Ricardo Vignini e Tatiana Mesquita.
Coro: Fabricio Mascate, Alldry Eloise, Jaque da Silva
Conheça mais sobre Socorro Lira
Socorro Lira tem 22 anos de carreira na música. Nasceu na Paraíba e vive em São Paulo desde 2004. Compositora, cantora, escritora e produtora cultural, sua discografia inclui agora 16 álbuns, 1 DVD e vários singles disponíveis nas plataformas digitais. Entre suas parcerias, estão nomes como Chico César, Jorge Ribbas, Ná Ozzetti, Ricardo Vignini, Swami Jr. e Zélia Duncan. Foi premiada como melhor cantora regional (2012) no Prêmio da Música Brasileira, sendo indicada, em 2016 e 2017, na mesma categoria. Na literatura, seu lançamento mais recente é o romance Falar dos Meus Amores Invisíveis (2020). Como produtora, criou vários projetos culturais, como o Espaço Mata Branca em sua cidade natal, Brejo do Cruz, Paraíba, e o Prêmio Grão de Música, que destaca a canção de um Brasil com pouca visibilidade comercial.
A artista faz do seu trabalho uma plataforma para projetos que reivindicam espaço para as vozes das mulheres. Entre os anos de 2017 e 2018, Socorro Lira musicou cento e dois (102) poemas de dez escritoras brasileiras, são mulheres que viveram, escreveram e publicaram entre os séculos XVIII e XX no Brasil, deixando um importante legado, mas ainda pouco ou nada reconhecido, pela crítica e pelo público em geral.
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