A deputada Tabata Amaral (PSB/SP), presidenta da Frente Parlamentar, abriu o seminário destacando que, além de enfrentar preconceitos, um dos objetivos do evento é criar consensos para que o parlamento e a sociedade possam avançar nas discussões sobre saúde mental. A deputada enfatizou ainda a importância de pensar a saúde mental a partir de perspectivas diversas, considerando, por exemplo, a pobreza, o racismo e a violência de gênero na construção e fortalecimento das políticas públicas sobre o tema.
Os determinantes sociais da saúde mental e seu aspecto coletivo também foram destacados na fala do deputado Henrique Vieira (PSOL/RJ), coordenador do eixo “Fiscalização” da FPSM e presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Luta Antimanicomial e da Reforma Psiquiátrica, que também compôs a mesa de abertura do seminário. Para o parlamentar a saúde mental é um direito da população brasileira e, por isso, não pode ser considerada um privilégio de poucos.
“Não podendo ser um privilégio, temos que falar da rede pública, temos que falar da gratuidade, da qualidade e da dimensão coletiva da saúde mental. Nós somos levados a pensar em uma perspectiva excessivamente individualizada e parte dos nossos transtornos tem a ver com o mundo e a forma como o mundo se organiza”, enfatizou Vieira.
As iniquidades em saúde também foram pauta da fala de Emiliano David, representante da Frente Nacional de Negras e Negros da Saúde Mental (FENNASM), iniciativa que integra o Conselho Consultivo da FPSM, que enfatizou a necessidade de interromper as iniquidades raciais. “É fundamental a construção e o fortalecimento de estratégias antirracistas na política de saúde mental. Para isso, é importante que haja, por exemplo, cômites locais nos serviços e nos territórios e uma formação antirracista continuada e permanente para as equipes de saúde”, defendeu.
Já a deputada professora Goreth (PDT/AP), coordenadora do eixo “Escolas” da Frente, destacou o pedido de informações detalhadas das ações de implementação da Lei 14.819/24, sancionada em janeiro deste ano e que institui a Políticas Nacional de Atenção Psicossocial nas Escolas. “Nós estamos solicitando ao Ministério da Saúde a apresentação de um plano concreto de implementação dessa Lei. Estamos pedindo informações da implementação, prazos e metas claras para a efetivação da atenção psicossocial nas escolas, uma iniciativa de extrema importância nesse pós-pandemia”, afirmou a parlamentar.
A conferência de abertura contou também com a participação de João Mendes, representante do Departamento de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas (Desmad) do Ministério da Saúde. Ele discutiu os retrocessos das políticas de saúde mental nas últimas gestões do Governo Federal e enfatizou o compromisso do atual governo na expansão da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) e na recomposição orçamentária.
“Nós tivemos uma hecatombe nas políticas de saúde mental durante os últimos anos de recrudescimento democrático. Nós estamos fazendo um esforço de refazer e de retirar da base normativa da saúde mental o que eu tenho chamado de ‘entulho autoritário’. É hora de romper com todo resíduo de autoritarismo na nossa legislação e vamos precisar do apoio do Parlamento”, enfatizou João Mendes, que também destacou que a desinstitucionalização e os direitos humanos são as linhas guias da atual política de saúde mental.
O deputado Célio Studart (PSD/CE), que está como vice-presidente da Frente, o deputado Geraldo Resende (PSDB/MS), coordenador do eixo “Pessoa Idosa”, e o deputado Pedro Campos (PSB/PE), coordenador do eixo “Pessoa com Deficiência”, também participaram da conferência de abertura do seminário.
Após a conferência, a jornalista Daniela Arbex participou do evento com a palestra “A experiência brasileira da grande internação” e Alexandre Coimbra discutiu a saúde mental enquanto saúde coletiva.
Acolhimento, intersetorialidade e expansão das políticas de saúde mental
A segunda etapa do evento reuniu pesquisadores, ativistas e usuários da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) no Salão Nobre da Câmara dos Deputados, em Brasília, para debater temas fundamentais para o fortalecimento das políticas de saúde mental no país, como o acolhimento, a intersetorialidade e a legislação relacionada ao tema nos últimos anos.
A primeira mesa temática teve como tema “Os desafios do acolhimento e da promoção em saúde mental no Brasil” e foi mediada por Daniela Skromov, defensora pública do estado de São Paulo e diretora de relações institucionais do Desisntitute. Skromov participou ativamente do processo de desinstitucionalização dos hospitais psiquiátricos no estado de São Paulo e, junto com Rosangela Elias, fonoaudióloga e profissional do SUS que atuou no mesmo movimento, expôs a importância dos espaços de residência terapêutica em oposição aos hospitais psiquiátricos e às instituições de longa permanência.
A defesa por um cuidado em liberdade para as pessoas em sofrimento mental foi um consenso entre os participantes e esteve presente na apresentação feita por Ana Paula Guljor, psiquiatra e presidente da Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme). A especialista enfatizou que uma das diretrizes básicas para o acolhimento em saúde mental está relacionada com a compreensão de que os usuários do sistema são sujeitos com direitos e necessidades, e não pacientes portadores de transtornos.
Convivência, liberdade e acolhimento para garantir saúde mental
Ainda na primeira mesa de debate, profissionais e usuários da RAPS expuseram suas experiências com o cuidado em saúde mental. Ariadna Patricia, militante antimanicomial e professora-pesquisadora da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), apresentou dispositivos de promoção da saúde mental em diversos territórios brasileiros, considerando os Centros de Convivência e Cultura e os Centros de Convivência Cooperativa como parte essencial do cuidado em liberdade.
Deivisson Vianna, professor do departamento de saúde coletiva da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e vice-presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), expôs como o cuidado feito no território, por meio dos postos de saúde, é ideal para a promoção da saúde mental. O cuidado na Atenção Primária à Saúde (APS), segundo ele, permite um cuidado longitudinal, com facilidade de acesso aos pontos de apoio e à família dos usuários.
“A saúde mental deve ser cuidada no território e de preferência na atenção primária. Para tudo isso acontecer precisamos de expansão dos postos de saúde, de políticas que aumentem o financiamento de equipes de saúde mental e uma política que retome a estratégia da política nacional de humanização”, destacou Vianna.
Kleidson Oliveira, coordenador do Movimento Nacional da População em Situação de Rua do Distrito Federal e usuário da RAPS, relatou, a partir da sua experiência pessoal, a importância do serviço público de cuidado para pessoas em sofrimento mental. Para ele, o cuidado público e humanizado deve ser fortalecido frente ao crescimento de entidades privadas e religiosas que oferecem tratamento para usuários de álcool e outras drogas. “A saúde mental tem um inimigo, é aquela pessoa que vê o corpo como uma forma de ganhar dinheiro”, enfatizou.
Ao final do debate, Prethaís, poeta, cantora e compositora, salientou a relação entre cultura e promoção da saúde mental, acentuando a necessidade de uma psicologia que pense em afrocentricidade, levando em consideração o processo escravagista que marcou e marca, até hoje, a história do país.
Pluralidade de territórios, políticas e serviços na saúde mental
A Intersetorialidade nas políticas de saúde mental foi o tema da segunda mesa temática do seminário, mediada por Dayana Rosa, especialista em relações institucionais e saúde mental do IEPS. Iniciando a discussão, Jeane Tavares, docente da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), destacou que as políticas de saúde mental precisam considerar a diversidade de territórios e de identidades da população, levando em conta culturas e marcadores sociais das diferenças; além de um trabalho conjunto de pessoas e instituições de diferentes áreas e setores. “Pensar a intersetorialidade na Saúde Mental é intuitivo, pois a saúde não é promovida em apenas uma consulta com um profissional da saúde, ela depende de diversas áreas e setores de trabalho, depende de qualidade de vida e de bem viver. Gerar sofrimento psíquico na população é uma estratégia política”, enfatizou.
Educação, trabalho, segurança e justiça: políticas de saúde mental devem ser intersetoriais
Raquel Guzzo, professora da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) e membro titular do Conselho Federal de Psicologia, frisou que a intersecção entre escola, juventude e promoção de saúde mental é uma aliança essencial para o desenvolvimento de espaços de prevenção de saúde mental. A professora elogiou a aprovação das leis n. 13.935/2019 e a nº 14.819/2024, que instituiu a Política Nacional de Atenção Psicossocial nas Comunidades Escolares e foi apoiada pelo IEPS e pela Frente.
“A escola precisa dispor uma equipe multiprofissional que, junto com professores e professoras, possa acompanhar o processo de desenvolvimento dos estudantes. Acompanhar e prevenir para não medicar”, destacou, defendendo que a escuta ativa no ambiente escolar pode, inclusive, ser um meio de acionar a proteção para crianças e adolescentes por meio da mobilização de assistência social, serviços de saúde e outros órgãos.
Defendendo a intersetorialidade para a promoção da saúde mental para a população brasileira, Marcelo Kimati, professor de saúde coletiva da UFPR e assessor da presidência da FUNDACENTRO, e Haroldo Caetano, promotor de Justiça do Ministério Público de Goiás, destacaram a interseção entre saúde, trabalho e justiça. Kimati enfatizou que diminuir o sofrimento mental dos trabalhadores expostos à precarização do trabalho, à uberização e às consequências da pandemia é um desafio latente, enquanto Caetano destacou a importância do Poder Judiciário para a desinstitucionalização dos manicômios judiciários.
Nathália Oliveira, ativista do antiproibicionismo e fundadora da Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, apoiou a defesa de que a criminalização das drogas está baseada em uma ideologia de aniquilamento e manutenção das raizes de opressão do povo negro do país. Crítica da PEC 45/2023, conhecida como PEC das Drogas, a ativista destacou que a proibição vai contra o desenvolvimento da saúde mental da sociedade pois normaliza uma guerra cotidiana.
Encerramento
A mesa de encerramento do Seminário contou com a participação da Dep. Tabata Amaral (PSB-SP), presidente da Frente; Dep. Dr. Francisco (PT/PI), presidente da Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados; Filipe Asth, secretário executivo da Frente; Marcia Woods, assessora de relações estratégicas da Fundação José Luiz Egydio Setúbal; Bruno Ziller, coordenador de projetos do Instituto Cactus e Mariana Luz, psicóloga clínica e fundadora do Instituto Janete Costa.
Filipe Asth destacou a importância do trabalho da Frente após um ano de atuação da iniciativa, e celebrou a pluralidade das discussões e trocas durante o I Seminário. “Agradeço a cada um dos integrantes do nosso Conselho Consultivo, a cada um dos parlamentares que tiveram a coragem de assumir uma coordenação na Frente Parlamentar, em que pudemos aprofundar temas tão difíceis, principalmente depois de uma pandemia”, afirmou.
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