sexta-feira, 3 de março de 2023

Amazonas perde expressão econômica e a população empobrece

 


Um processo silencioso e de consequências desastrosas à população vem se desenvolvendo no Amazonas, nas duas últimas décadas, sem alarde da mídia e sem a devida atenção dos governantes, das entidades de classe e da sociedade civil, apesar de sua gravidade. Trata-se da perda da expressão socioeconômica do Estado, que já atingiu níveis preocupantes e cuja reversão se tornará extremamente difícil – senão impossível -, caso não sejam adotadas a curto prazo medidas de impacto e inadiáveis.

                A despeito dos inúmeros benefícios resultantes da Zona Franca de Manaus, área de livre comércio, exportação e importação, detentora de benefícios fiscais constitucionalmente previstos (ADCT artigos 43, 92, 92-A da CF), criada há 56 anos, o Amazonas mergulhou de maneira preocupante numa curva descendente, a começar pelo Produto Interno Bruto (PIB) do Estado. É o que mostram os números oficiais. Em 2002, o Amazonas participava com 2,32% do PIB Brasil. Em 2021, essa participação foi de apenas 1,51% do PIB Nacional. Ou seja, uma variação negativa de 34,91% em 19 anos. Sua participação no PIB da Região Norte também sofreu forte decréscimo: de 29,64% em 2002, passou para 24,26% em 2021, queda de 18,15% no período. Com isso, cerca de R$ 72 bilhões de recursos deixaram de circular anualmente no Estado, nessas quase duas décadas, resultando em perda significativa de riqueza.

                Pior: a renda média mensal do cidadão amazonense também diminuiu. Em 2021, a renda média mensal per capita no Estado foi de R$ 618,00/mês, cerca de 56% do salário-mínimo nacional (Base 2021 R$ 1.100,00), uma das piores entre os Estados do Norte, inferior à renda média do Acre (R$ 654,00/mês), do Amapá (R$ 718,00/mês), de Roraima (R$ 808,00/mês), de Tocantins (R$ 718,00/mês) e de Rondônia (R$ 873,00/mês).

                O resultado direto é o aumento da pobreza na última década. Se em 2012 o número de pobres no Amazonas correspondia a 45,39% da população, em 2021 essa já era a condição da maioria (51,42%) dos amazonenses, segundo estudo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Isso faz do Amazonas o Estado com o segundo maior percentual de população mais pobre do Brasil, atrás apenas do Maranhão. É assustador constatar que no mesmo ano de 2021 o Amazonas tinha mais cidadãos dependentes do Auxílio Brasil (476.634) do que empregados com carteira assinada (448.372), conforme dados do CAGED/Ministério da Cidadania, publicados pelo jornal digital Poder 360.

                Outra consequência grave dessas duas décadas perdidas foi o crescimento da violência urbana no Estado. Com índice de 50,6 assassinatos por grupo de 100 mil habitantes, Manaus é atualmente a segunda capital brasileira mais violenta do Brasil, atrás somente de Salvador (BA), e figura como a 21ª cidade mais perigosa no mundo, segundo estudo da ONG mexicana Seguridad, Justicia y Paz, publicado em fevereiro de 2023.

                A discussão que precisa ser colocada à mesa são as razões do Estado sofrer tamanhas decadências econômica e social apesar de gozar de renúncia fiscal de tributos federais, estaduais e municipais no total de R$ 37 bilhões por ano, montante que supera 25% do PIB estadual em 2021 e próximo ao Valor Adicionado do PIM, o que faz acender a luz de alerta. É impossível creditar os problemas econômicos e sociais à falta de recursos financeiros, ainda mais considerando-se também que em termos de R$ por habitante o Amazonas tem a maior receita da Região Norte, enquanto a sua capital, Manaus, ocupa o 8º lugar no ranking das capitais brasileiras nesse aspecto.

                A arrecadação de ICMS igualmente não é pequena: em 2022, o Amazonas ocupou a 15ª posição nesse quesito entre os 26 Estados e o Distrito Federal. Pelos números oficiais, os contribuintes amazonenses (PF e PJ) recolheram aos cofres públicos 33,91% do PIB do Estado, o que não é pouco e, coincidentemente, iguala-se à carga tributária bruta do País. O problema, então, não está no volume de impostos pagos pelos cidadãos.

                É preciso atentar ainda para outros números. Dados atuais mostram que a participação de insumos importados para o Polo Industrial de Manaus vem crescendo em relação ao faturamento. Era de 41,83% em 2016 e saltou para 61,39% em 2021. Enquanto isso, na direção contrária, o valor da mão-de-obra (excluindo-se encargos) reduziu sua participação de 3,17% para 1,73% no mesmo período. O que já era pouco, tornou-se ínfimo. Tudo é muito preocupante

                A situação atual mostra, por si, a necessidade de revisão da lei estadual que norteia e concede benefícios fiscais às indústrias, atualizando-a para atender aos objetivos da economia do século XXI, calcada no valor agregado dentro do Estado, na tecnologia, para garantir maior incentivo às startups de tecnologia e para oferecer estímulo às parcerias tripartites entre governo, setor privado e universidades/instituições de pesquisa.

                O modelo atual é extremamente importante e a luta pela sua manutenção é imprescindível, devendo ser objetivo de todos, porém parece ter se exaurido, tornando-se insuficiente para atender às necessidades da população. De um lado, é excepcional do ponto de vista de arrecadação de tributos federais, estaduais e municipais, ao mesmo tempo que propicia às indústrias e aos investidores vantagens fiscais significativas em comparação com o restando do País. De outro lado, no entanto, não há contrapartida social porque gera cada vez menos empregos, oferece baixa remuneração aos trabalhadores e, assim, compromete o processo distributivo de renda, essencial para o alcance de justiça social.

                Os novos cenários exigem a adoção de medidas para o Polo Industrial de Manaus aumentar o valor adicionado dentro do Estado, além de estimular a competitividade. Há novos setores a serem explorados e desenvolvidos, como de energia, petróleo, gás natural e energia fotovoltaica, de fertilizantes, minero-metalúrgico, pesqueiro, naval e turismo, dentre outros.

                É hora também de se estudar uma nova matriz econômica, incluindo a utilização racional e responsável dos recursos naturais existentes no solo e no subsolo, bem assim a recuperação de áreas degradadas, tornando-as produtivas. Tudo com absoluto e inegociável respeito à preservação da floresta tropical - o maior patrimônio dos amazônidas e dos brasileiros -, necessidade ética e econômica que se impõe.

                A degradação econômica do Estado, apesar dos já demostrados enormes recursos financeiros e naturais à disposição dos governos que se sucedem, está a exigir que os governantes busquem adicionar à Matriz Econômica do Estado a definição de um plano de metas a ser amplamente discutido com a sociedade civil – com estabelecimento de objetivos claros, quantificações, e controle absoluto de custos e prazos – e rígido combate aos desperdícios. A complexidade do tema não permite improvisação.

                O momento pede também a adoção de uma nova Política Pública Estadual que, em consonância com o Governo Federal, crie condições para transformar o recentíssimo aceno do presidente norte-americano Joe Biden em alguns bilhões de dólares por ano de receita, oportunidade que não pode ser desperdiçada.

                O Amazonas precisa resgatar a sua importância econômica, explorando todas as suas potencialidades de maneira ambientalmente sustentável e garantindo à população condições de vida mais dignas, com menos violência e mais educação (priorizando estudo integral), menos pobreza e mais emprego, serviços públicos de qualidade e desenvolvimento social capaz de atender às velhas e às novas demandas da sociedade.  

**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br


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