sexta-feira, 26 de maio de 2023

Omissão da sociedade custa caro ao povo brasileiro



Motivos não faltam para a sociedade civil brasileira cobrar dos governantes, com ênfase e equilíbrio, mudança radical de comportamento.
Não é mais possível aceitar passivamente o exercício do poder lastreado na manutenção e até expansão dos privilégios concedidos à elite que se apoderou do poder político e insiste no aprofundamento da concentração de renda, com aumento da pobreza e da miséria.

            Sob o silêncio conivente da sociedade, há décadas a condição de vida da expressiva maioria dos cidadãos brasileiros vem se tornando mais difícil. Os índices oficiais demonstram isso, a começar da perda de expressão econômica do Produto Interno Bruto brasileiro em relação do PIB mundial. Em 30 anos, essa perda acumulada é de 26%. Em 1990, o PIB brasileiro representava 3,60% do PIB mundial. Essa participação caiu para 3,10% em 2000 e, em 2022, desceu para 2,30%.

            Também houve perda da expressão econômica do Brasil em relação à América Latina, onde historicamente o país foi protagonista.  O PIB nacional que em 2010 representava 38,0% do PIB da AL, já era de 31,8% em 2021. Queda de 16,31% em apenas 11 anos, de acordo com a Austin Rating.

            No ranking de 2021 da América Latina, o Brasil ficou apenas na 8º posição no quesito PIB per capita, com US$ 7.564/ano. Fomos superados pelo Uruguai – o primeiro da lista, com US$ 16.756/ano -, Chile, Panamá, Costa Rica, Argentina, México e República Dominicana, nessa ordem.

            Contribui fortemente para essa situação a carga tributária que o cidadão brasileiro tem de suportar, a 13ª maior do planeta. Um fardo cada vez mais pesado. Em 1988, a carga tributária representava 23,40% do PIB nacional. Menos de 10 anos depois, em 1994, já era de 28,90%. E fechou 2022 com a participação de 33,91% do PIB. Ou seja, a partir do ano da promulgação da nova Constituição Federal, a carga tributária cresceu 44,91%, ou 10,51% do PIB, segundo dados oficiais da Receita Federal.

            É incontestável que o cidadão sofre com o imposto sobre consumo – que chega a atingir 30,60% no açúcar e 44,20% no sabonete, por exemplo –, penalizando sobretudo as pessoas de menor poder aquisitivo porque encarece a cesta básica.

            Por outro lado, os gastos tributários da União continuam a crescer. Representavam 2,95% do PIB no ano 2000 e agora, em 2023, devem chegar a 4,30%, fechando na extraordinária soma de R$ 456 bilhões.

            Em 22 anos, o Brasil aumentou seus gastos tributários em 45,76%, o correspondente a 1,35% do PIB, ou R$ 134 bilhões/ano. Esse inchaço deve-se principalmente (mais de 70%) à concessão de privilégios injustificáveis e mesmo contrários ao que diz a Constituição Federal. Uma distorção que precisa ser corrigida por meio de revisão urgente, obrigando que tais concessões somente sejam concedidas em caráter temporário e com benefícios decrescentes ao longo do tempo. O equilíbrio econômico do país exige a drástica redução desses gastos, eliminando-se muitos deles e priorizando aqueles voltados a proporcionar a redução das desigualdades regionais e sociais.

            Ao nível que chegou, a situação é insustentável. Como exemplo, apenas com funcionalismo público os gastos atingiram 13,04% do PIB nacional em 2022. O equivalente a 38,47% da carga tributária brasileira. A média gasta pelos 37 países que compõem a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 9,80% do PIB. Essa diferença equivale a nada menos do que R$ 321 bilhões/ano.

            O resultado dessa equação é um peso enorme no bolso do brasileiro sem, entretanto, refletir em melhoria em sua qualidade de vida. Pelo contrário, o país experimenta uma degradação acentuada nessa questão. Em 2000, o Brasil ocupava a 77ª posição no ranking mundial do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que compara indicadores de países em itens como riqueza, alfabetização, educação, esperança de vida e natalidade para avaliar o bem-estar da população. Em 2022, caímos para a 87ª colocação.

            É verdade que fatores mundiais recentes como a pandemia da Covid-19 e a guerra entre Rússia e Ucrânia desalinharam a economia, porém não se pode justificar com isso a má performance nacional porque todos os países foram afetados.

            O problema é que o Brasil continua apostando em medidas espasmódicas, sem olhar para as raízes dos problemas a fim de buscar soluções definitivas. Tampouco funcionam ufanismos pontuais e muito menos a alimentação de ilusões como se vê no momento atual com a prometida reforma tributária, vista por muitos como tábua de salvação.

            Certamente é necessária, mas precisa fazer, principalmente, a redução acentuada da tributação sobre o consumo e obrigar a correção anual das tabelas do Imposto de Renda para eliminar o imposto sobre a inflação que configura a não correção, pois a reposição de remuneração em percentual igual ou inferior à inflação não é renda.

            Os indicadores oficiais evidenciam que o país apenas patinou nas últimas décadas, merecendo reprovação os governantes que conduziram a nação nesse período.

            Não há mais tempo a perder. O Brasil precisa de menos promessas e mais verdades e realizações. É necessário que o povo seja definitivamente enxergado como prioridade dos governos. Materializar isso significa reduzir privilégios para a elite dominante do poder e eliminar a impunidade, começando pela restituição da prisão em segunda instância e por tornar imprescritíveis os crimes praticados contra a administração pública, medidas fundamentais na busca pelo restabelecimento nacional da moralidade.

            A jornada para tornar o Brasil uma nação de fato socialmente justa passa também pelo reconhecimento de que o país vive uma tragédia em três atos e o direcionamento de ações efetivas para sua eliminação. O primeiro dos três atos dessa tragédia é o volume de gastos com o funcionalismo, que precisa ser reduzido dos atuais 13,04% do PIB para 10 ou 11%, o que resultaria em economia de R$ 202 a R$ 301 bilhões/ano.

            O segundo ato a ser atacado são os gastos tributários, reduzindo-os de 4,3% do PIB para, no máximo, 1,8%, gerando economia de R$ 284 bilhões/ano. E, o terceiro, o combate efetivo à corrupção endêmica que alimenta a crise moral do país e tem custo estimado de incríveis 2,3% do PIB. A redução de 1 ponto percentual disso significaria mais R$ 129 bilhões/ano nos cofres públicos. No total, então, economia anual da ordem de R$ 579 bilhões.

            Somente a reforma tributária não basta. Além disso, o governo acaba de publicar Medida Provisória no 1.171, em pleno domingo 30.04, taxando as aplicações financeiras no exterior. Essa MP é uma mostra de que o governo federal não está priorizando a reforma tributária – que somente vigoraria a partir de 2024 -, ou não acredita na sua aprovação, revelando-se mais preocupado fatiar a reforma tributária e garantir o aumento a arrecadação, independente de aprovação de reforma.

            A questão crucial é que o ajuste da receita será inócuo se não vier acompanhado do controle de custos. É inconcebível que se queira fazer ajuste fiscal somente com aumento de receitas quando o nosso problema reside no tamanho da  máquina pública, sua ineficiência e desperdícios, é imprescindível o anuncio e implantação de um programa de redução  de custos. O cenário nacional somente melhorará se o país retomar o desenvolvimento e se o aumento das receitas públicas advindo do crescimento do PIB for acompanhado de investimentos em infraestrutura, sobretudo nas regiões menos desenvolvidas. O Brasil não pode mais ignorar os desequilíbrios regionais e sociais se efetivamente quiser ter cidadãos de classe única, ao contrário do que se vê hoje, com brasileiros diferenciados de classes diferenciadas em razão da sua região de nascimento, da cor da pele, de sua crença, de seu gênero ou do valor da remuneração de seu trabalho. 

            Para isso, entretanto, é necessário um grande concerto nacional. É essencial a mobilização da sociedade civil que, talvez tão preocupada com a própria sobrevivência não se organiza adequadamente para exigir o que lhe é de direito. Já está claro que o voto de quatro em quatro anos não tem sido suficiente. Sempre é bom lembrar do que advertiu Padre Vieira (1608-1697) em um de seus históricos sermões: “a omissão é um pecado que se faz não fazendo”.

*Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br

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