Pelo segundo ano como muso, Gato de Salto se prepara para a estreia na escola Império da Tijuca, agremiação que desfila pela Série Ouro do Carnaval carioca na Marquês de Sapucaí. Mas a sua relação com o bairro da Zona Norte da cidade é antiga, quando começou como passista no Salgueiro em 2017 lutando pelo espaço de “Passista Diversidade”, uma vez que o artista tem uma imagem modernista, dança com trajes femininos e defende o samba da cabrocha, se reconhecendo dessa forma. A causa, que trouxe bastante repercussão na época, foi abraçada pela agremiação que conta com esse espaço já definido para o Carnaval de 2024.
Além de precursor nesta iniciativa tão inclusiva, o sambista possui laços familiares e afetivos com a região, o que fez com que o convite viesse espontaneamente por parte do Império da Tijuca: “Eu conheço a comunidade do Morro da Formiga e adoro a energia da escola. Eu espero me renovar como artista e como pessoa e agregar à agremiação”. Mas faz segredo quando o assunto é a sua fantasia, que representa o Requinte do Reisado, situado dentro do enredo em homenagem à cirandeira Lia de Itamaracá: “A roupa do desfile tem um número absurdo de faisões e sempre muita pedraria”, disfarça.
Seus figurinos são desenvolvidos e confeccionados por uma aluna que, de tanto conviver com o artista, se apaixonou pelo Carnaval e criou um ateliê na Áustria chamado Atelier Adiamantina: “Ela aprendeu a executar a criação de fantasias da maneira mais perfeita e atenta aos detalhes que eu já vi. Sempre fico impressionado com o resultado. Tudo é meticulosamente planejado e pensado. O conforto e beleza são incomparáveis a tudo que já vesti em cena”, destaca o sambista, que tem preferência por vir com figurinos bem pequenos e um adereço na cabeça luxuoso, além do salto, claro, sua marca registrada.
Após as festas para brindar o novo ano, Gato de Salto já está preparado para os ensaios técnicos na Avenida que, além de ser um importante treino para as agremiações, funcionam como um termômetro para o público. E o artista realiza esse importante encontro com o Império da Tijuca no próximo sábado, dia 06 de janeiro, dando destaque ao setor que traz as festas do Nordeste. Para pisar forte na Sapucaí, o sambista intensifica os ensaios e os treinos na academia, faz uma dieta controlada e possui o acompanhamento de uma esteticista por conta das luzes do Sambódromo.
Aulas de samba no pé fora do Brasil e representatividade LGBTQIAPN+ marcam a trajetória do artista
Professor de samba no pé há oito anos para alunos em diversos países, Gato de Salto desenvolveu uma metodologia própria para o público estrangeiro: “É um desafio muito especial e gratificante. Quando se dá aula para iniciantes, preciso ensinar as origens do Samba e do ritmo, que para muitos é desconhecido. Essa realidade me forçou a desenvolver uma técnica mais específica”, explica o sambista que aprendeu a arte de sambar com nomes como Evelyn Bastos, Rainha de Bateria da Mangueira, e Alex Coutinho, Diretor da Ala de Passistas da Paraíso do Tuiuti; e também foi integrante da Ala Maculelê no Salgueiro entre 2017 e 2020. As aulas são presenciais e onlines e o sambista vai lançar após o Carnaval um curso virtual exclusivo para iniciantes.
A paixão pelo maior espetáculo da Terra surgiu no artista diante do empoderamento de pessoas que, normalmente, não possuem voz na sociedade: “Não há momento mais arrepiante do que ver mulheres negras se expressando majestosamente no samba. Eu, pessoalmente, nunca me vi representado. Por isso tive que criar e trilhar meu próprio caminho e me sinto honrado em ser a inspiração de outros como eu. O que me move é a minha própria necessidade de me conectar com minhas raízes brasileiras e de expressar minha energia de alma. Preciso ser livre e dançar como eu sou. Não há lugar melhor para isso do que no Carnaval”, reflete.
Para viver momentos tão fortes e significativos na Avenida, Gato de Salto encontra a força e o foco na espiritualidade: “Faço uma oração. Peço calma e um bom desfile para mim e minha escola. Uma herança do meu tempo de passista é tocar o solo no início do Setor 1 e fazer o sinal da Cruz. Acho esse ritual lindíssimo”. E com uma presença tão marcante na Avenida, a principal mensagem do sambista é trazer à sociedade um olhar mais amplo sobre os corpos e suas formas de expressão: “A arte não tem gênero. O artista pode ter um gênero biológico, mas a arte é livre. Quero com a minha imagem provocar uma reflexão”, finaliza.
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