Por que estou dizendo isso? Rubinho Barrichello foi um excelente piloto, com fama merecida de ser um ótimo acertador de carros, que chegou à Fórmula 1 muito cedo e dirigiu o carro de uma escuderia icônica, a Ferrari. Rubinho teve dois grandes azares: carregou a responsabilidade de suceder o maior piloto brasileiro de todos os tempos, Ayrton Senna, e correr junto com outro monstro do esporte, Michael Schumacher. Foi muito criticado, ridicularizado e mesmo injustiçado por não ser nem Ayrton Senna, nem Schumacher. Mardy Fish também teve o mesmo azar. Chegou ao tênis com o peso do legado de dois monstros americanos, André Agassi e Pete Sampras, e viu despontar na sua geração o quase imbatível Roger Federer. Passou para a história como um tenista mediano, que dava para trás na hora H. Cruel para um tenista que esteve entre os Top 10 da sua modalidade.
Mas o que esses dois tenistas, tão diferentes entre si, tem a dizer para a Psiquiatria? O documentário mostra, de maneira dramática, o desmoronamento de Mardy Fish em plena quarta de final de um torneio muito importante do circuito. É como você lutar a vida toda por uma oportunidade, um objetivo, e ter um esgotamento na hora de realizar o seu sonho. E dizer para todos que depositaram a sua esperança e torcida, que não vai dar. Não vai conseguir nem entrar em quadra. A decepção absoluta de todos que torceram por seu trabalho.
Para a Psiquiatria, interessa, nos dois atletas, a estratégia de manejo da pressão. Mardy Fish era amigo e escudeiro de outro tenista que derreteu diante da expectativa, Andy Roddick. Os dois cresceram juntos e treinaram juntos na direção dos grandes torneios. Na hora que se cruzavam, Andy conhecia bem as inseguranças do seu amigo e sempre levava a melhor.
Depois de anos de frustração, Mardy Fish resolveu que aquilo iria mudar: treinou como um louco, emagreceu vários quilos e virou um tenista veloz, aplicado, dominante. Finalmente derrotou o amigo e asa negra em jogos e finais. Parecia que, finalmente, os Estados Unidos iria ter novamente um núnero 1 no tênis. Seria como o Rubinho virar o Ayrton Senna. No seu auge, Mardy Fish derreteu. O filme mostra esse processo em detalhes: Mardy Fish projetou para si o plano de ser um tenista forte, dominante na quadra. Exigia de si, força e domínio absoluto de si e do jogo. Encontrou do outro lado um tenista que parecia ter reinventado o Tênis: Federer jogava horas em alta performance e parecia sair da quadra sem desfazer o penteado nem suar a camisa. Mardy Fish saía esgotado, descabelado, babando na raquete.
Os gurus motivacionais propõem a intensidade. Viva ao máximo, viva no limite, tenha um desempenho incrível. Acomodação é a morte, gritam em seus vídeos e palestras de encerramento de workshops da empresa. Vençam o estresse com o entusiasmo. Não pode fraquejar! Tem que segurar a onda!
Esse modelo de enfrentar o medo e a acomodação com um entusiasmo barulhento é imposto em palestras, em vídeos de Youtube, em gritos nos templos de coachs corporativos ou espirituais. O resultado é o mesmo nas quadras e na vida corporativa: o esgotamento, o burnout, a perda de comprometimento e o teatro de personas que parecem que entregam, mas não entregam o resultado.
Mardy Fish ficou dois anos sem jogar tênis. Não conseguia levantar a raquete. Sucumbiu à pressão gigantesca da expectativa projetada nele. Simone Biles, multi medalhista da Ginástica Artística, abandonou a equipe em plena Olimpíada. Ficou afastada também por dois anos, vi que voltou a competir nessas semanas. O que aconteceu? Não aguentam a pressão, são mais frágeis e mimados? Ou, pelo contrário, o modelo de Alta Pressão e Expectativa que se coloca nessas pessoas leva, com precisão matemática, esses atletas e outros profissionais, ao colapso e ao Burnout?
Usei Roger Federer em uma entrevista em um Podcast que ainda não foi ao ar, como modelo Anti-Stress. Federer parecia uma máquina sem emoções. Seus movimentos eram econômicos e harmônicos. Parecia que jogava ao som de uma valsa. A Psicologia Positiva descreve os estados de Fluxo, onde se consegue o máximo de concentração com o mínimo de esforço. Grandes atletas, grandes artistas e pessoas de alta performance conseguem desenvolver e desempenhar seu trabalho em estado de Fluxo. Alternam o alto desempenho com uma grande capacidade de relaxamento. Não se cobram a resiliência absoluta, mas a precisão fria e relaxada. Não se via Federer quebrar raquetes ou berrar um “Vamos lá!!” para a torcida. Jogou em alto nível até perto dos quarenta anos, mesmo competindo com outras lendas, como Nadal e Dyokovic.
O alto desempenho demanda relaxamento, redução de fricção, economia de energia e atenção relaxada. O Anti-Stress é Fluir, é deslizar sobre as tarefas. Cuidar do repouso tão bem como do desempenho. A delicadeza vence a gritaria. E queima menos neurônios.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação younguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”

Seu texto bate de frente com o meu momento e me ajudou a compreender ao que eu estou presenciando nesse momento, e confesso ser verdadeiro, pois no meu caso, eu sou o "Mardy Fish" e o meu marido o "Roger Federer", que bom ler o seu artigo e me ajudar a entender o meu momento, obrigada pela reflexão.
ResponderExcluir