A partir dos anos setenta, intensificou-se o estudo de características psicológicas que estariam associadas a esse tipo de doença. Na época foi proposta uma classificação de tipos psicológicos: os tipos A, B e C. Os tipos A tinham e tem até hoje uma correlação clara com doenças cardíacas: caras estressados, apressados, ambiciosos, explosivos e briguentos, com um perfeccionismo e uma combatividade a serviço da vontade de ganhar dinheiro e poder. Os tipos C, ao contrário, seriam pessoas mais recolhidas, muitas vezes frustradas e passivo agressivas, que não tinham objetivos claros para a sua vida e muitas vezes retardavam a solução de problemas fazendo corpo mole ou fugindo das responsabilidades. Os tipos C tendem a culpar os outros e a sociedade pelos seus problemas e tem dificuldade de assumir o protagonismo de sua vida e projetos. Havia um CEO de uma grande multinacional americana que promovia anualmente uma demissão de dez por cento da força de trabalho, tentando tirar os tipos C da empresa. Ele mesmo teve uns cinco infartos, então não é difícil presumir sua tipologia. Mas aí o leitor pode me perguntar: e os tipos B? Os tipo B, se tudo der certo, são a maioria: trabalham em equipe, tem ambição mas não pisam no pescoço de ninguém por isso, tem altos e baixos de motivação, mas mantém a entrega e a regularidade no trabalho. Mas não exageram em suas ambições nem tem pressa para esmagar adversários.
Estamos vivendo num mundo em que os tipos B, que tentam um equilíbrio entre o fogo excessivo dos tipos A com o gelo glacial dos tipos C, estão entrando em extinção. Vemos os gurus motivacionais e os influencers gritando sobre motivação, constância, produtividade. Todo mundo deve se converter a tipo A. E um dos traços do tipo A está bombando nas redes sociais e mídias: a hostilidade. Os algoritmos organizam a sociedade do “nós contra eles”. Vivemos numa loucura suficiente para um sujeito entrar na festa de um desconhecido e matar o aniversariante apenas porque tinha a bandeira do PT e uma imagem de Lula no bolo.
Hostilidade faz mal à saúde: aumenta a pressão arterial, o açúcar do sangue, o consumo de álcool e prejudica a resposta imune. Numa sociedade inflamatória como a nossa, o ódio alimenta a fornalha do medo e da doença. Nossos sistemas de ódio aumentaram na Pandemia, quando a quarentena aumentou a sensação de isolamento, perigo e hostilidade. Antes da eleição do ano passado, precisei medicar de maneira incisiva pessoas que estavam persecutórias, desestabilizadas e tomadas pela hostilidade em tempos de eleição e final de ano.
Quando Jesus falava sobre amar seus inimigos, não devia estar falando sobre levar quem você não gosta para uma ilha deserta. Provavelmente ele estava falando sobre devolver a seus inimigos a característica humana. A tradução atual seria ter compaixão por seus inimigos. Torná-los pessoas, com suas fragilidades e defeitos, e não King Kongs prontos a te devorar.
Existe uma meditação que muito gosto, chamada Loving Kindness, em que uma parte dela consiste em mandar compaixão e bons votos para uma pessoa que tenha feito a gente sofrer. Não é fácil de fazer, mas dá um alívio sutil em nossos sistemas de hostilidade. Tem um monge que muito admiro, falecido recentemente, chamado Thich Nhat Hanh que ensinava: a compaixão é nossa única defesa. Cada vez mais posso constatar como ele estava certo. Compaixão aumenta os tipos B, equilibrando o Yang dos tipos A e o Yin dos tipos C.
Amar o próximo como a si mesmo significa viver a compaixão por mim e pelo Outro. Isso faz bem à saúde e ao planeta.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro Stress - o coelho de Alice tem sempre muita pressa.

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