A obra, que tem apoio do Funcultura e da Lei Paulo Gustavo - Recife, terá uma série de lançamentos, começando pelo Rio de Janeiro, no dia 29 de maio, na Galeria Refresco, em São Paulo, no dia 31, na Livraria Lovely House, e no Recife, na Galeria Garrido, no dia 5 de junho. Ainda dentro das atividades de lançamento, vai acontecer a exibição de uma versão remasterizada e restaurada em 4k do filme Meteorango Kid: Herói Intergaláctico, no qual Manoel Costa, pai da autora, interpreta o icônico personagem Caveirinha, no Cinema São Luiz, no dia 8 de junho. Na ocasião, será exibido ainda o curta-metragem Creuzinha não é mais tua, de Amin Stepple, que também tem a participação de Manoel Costa.
Toda a história da publicação nasce a partir de vestígios da vida de Caveirinha – ator amador do Cinema Marginal baiano nos anos 1970, jornalista, figura cheia de contradições como, por exemplo, ter sido um pai amoroso, porém ausente. Quando perdeu seu pai, Clara tinha 14 anos, mas a relação já era feita de vazios muito antes disso. "Minha memória dele sempre foi confusa. Tive que preencher as lacunas através de um processo arqueológico", lembra. Ainda jovem, quando do falecimento dele, não foi possível para Clara já naquele momento viver o luto e entender a dimensão daquela perda. “Foi preciso que se passassem muitos anos e que eu entrasse num processo terapêutico para então começar a especular o que significava a morte de um pai, que ao longo da sua vida já foi alguém bastante ambíguo e ausente”, diz.
Ao perceber que precisaria se voltar para essa relação, entendê-la, para então seguir adiante, Clara começou a organizar diversas informações sobre seu pai e seus vários personagens. Nesse processo, ela descobriu que ele tinha morrido várias vezes – não só na vida real, mas também nas telas. Enquanto mergulhava em filmes antigos nos quais ele atuou, deparou-se com cenas de morte ficcionais que pareciam ecoar seu próprio luto. "Assistia a essas cenas repetidamente. Me acostumei a vê-lo morrer na tela", lembra. Daí veio a pergunta que guiaria o projeto: quantas vezes uma pessoa pode morrer? A cada morte, estaria morrendo sempre o mesmo homem?
O livro se estrutura em três capítulos, cada uma apresentando três distintos personagens, diferentes facetas de um mesmo homem – e cada uma com seu próprio fim, com sua própria morte. Há o Homem Comum, fotógrafo e jornalista; o Anti-Herói, boêmio e rebelde dos anos 70; e o Pai, figura amorosa, mas distante. O processo de criação foi tão intenso quanto pessoal. Clara viajou atrás de pessoas que conheceram Caveirinha, revirou arquivos empoeirados, digitalizou negativos.
Nas páginas do livro, as imagens se organizam em dípticos, criando justaposições que imitam o modo desordenado como as memórias surgem. Clara reuniu fotos suas, fotos do seu pai, imagens de filmes e de arquivo e com elas foi organizando fluxos narrativos para cada um dos três personagens. Imagens de Neto, Amin Stepple, André Luiz Oliveira e Álvaro Guimarães que aparecem na obra foram cedidas por instituições como o Instituto Moreira Salles e a Cinemateca Brasileira e outros
Além do material iconográfico, há, em cada capítulo, um interlocutor que ajudou a artista a conhecer um pouco mais sobre cada parte do seu pai. Sua tia, irmã dele, Vera Lúcia Simas, falou sobre um tipo de homem comum e sua história familiar. Nessa troca, Clara escutou os detalhes da história em torno da morte precoce de seu irmão, falecido dez anos antes de seu nascimento, um luto silenciosamente vivido por seu pai. Para recompor pistas do Caveirinha boêmio, ator, contraventor, viajou a Brasília para conversar com André Luiz Oliveira, um de seus companheiros do Cinema Marginal baiano, nos anos 1970. Já sua mãe, Maria Edite Costa Lima, falou do Caveirinha pai, trouxe suas lembranças da forma como a paternidade foi exercida por ele.
“Acho que quando eu trago esses depoimentos, ajudo a dar um sentido narrativo maior a um livro que é composto em sua maior parte por um fluxo de imagens e sensações abstratas, um pouco como a própria memória se organiza — através do movimento rápido dos olhos, guardamos picotes de momentos e cenas. Os relatos em primeira pessoa convidam o leitor a investigar comigo novas chaves de leitura possíveis para essa trama”, opina a artista.
As três histórias terminam repetidamente na morte de um novo personagem por meio de cenas que ganham um tratamento especial no livro que foi impresso em São Paulo na Ipsis. “Nos momentos de fabulação, o livro é composto por dípticos em margem branca. Já nas sequências de morte, nós optamos por cenas expandidas impressas em papel mais espesso e através da técnica de separação de cor chamada skeleton black que imprime a mesma imagem em duas tintas pretas distintas conferindo maior densidade ao momento”, detalha Clara, que aos poucos foi entendendo que, no processo de se tornar adulto, cada um de alguma forma terá de passar pela experiência simbólica de 'matar' os pais.
E André Luiz traz isso muito claramente em seu relato: "Eram muitas as questões que o filme apresentava [Meteorango Kid - Herói Intergaláctico]. A questão, por exemplo, do assassinato simbólico dos pais gerou um trauma que demorei a entender e assumir. Foram anos para compreender que é necessário reconhecer a raiva infantil guardada para poder perdoá-los e incorporá-los à nossa vida com o merecido amor. Sem essa compreensão, ficamos enganchados com questões insolúveis de relacionamento familiar sem saber o porquê. Então, no filme, expurguei esses sentimentos, para, com isso, poder amá-los livremente”.
Mas Meu pai morreu três vezes não aborda apenas o tema da ausência: "Nos últimos anos fui muito inspirada pelo trabalho da filósofa Vinciane Despret que através de uma observação aguda de seu entorno, coleciona formas pelas quais uma presença inteiramente nova pôde ser concedida a um morto, a partir das histórias que deixou em aberto e que invocaram pessoas enlutadas a agir”.
Em seu texto sobre o fotolivro, a psicanalista do Círculo Psicanalítico de Pernambuco Júlia Coutinho, fala sobre alguns dos procedimentos utilizados no processo de luto: “Para mim o projeto O meu pai morreu três vezes é um empreendimento que caminha nesse escopo: manter, guardar, restaurar, reconstruir um mundo interno-externo, uma relação e assim inventar um pai para poder se despedir. Nesse movimento termina-se por descobrir novos passados, novos sentidos de um pai só seu, e, agora, nosso. Como se, assim, se subvertesse um pouco uma das dores do luto”.
O fotolivro será lançado em edição limitada, é dedicado à mãe de Clara e foi viabilizado com apoio do Funcultura, da Lei Paulo Gustavo (Recife), Bolsa de Acompanhamento Editorial do PhMuseum (Bologna, Itália), Grupo de Estudos André Penteado (SP) e Escola Livre de Imagens (PE). Ao longo do processo de execução do projeto, a artista pôde apresentar um pouco do percurso que estava vivenciando. Em 2019, participou de uma exposição coletiva no Museu Murillo La Greca. A revista Propágulo acompanhou a execução do projeto, publicando, em duas ocasiões, o processo de pesquisa. Em 2022, uma exposição coletiva com curadoria de Guilherme Moraes, na Galeria Janete Costa, exibiu uma instalação sobre o projeto. Em 2024, Clara Simas levou o seu trabalho para uma exposição coletiva no Festival de Fotografia PhMuseum em Bologna.
A boneca preliminar do projeto é finalista do prêmio Dummy Awards'25 do Photobook Museum (Colônia, Alemanha) e, devido a essa indicação, vai circular durante 12 meses por diversas exposições e festivais na Europa e Ásia. Há ainda um lançamento confirmado em Bologna, na Itália, como parte integrante do evento Photobook Mania 2025 promovido pelo PhMuseum.
"Meu analista diz que o livro é sobre inventar um pai possível. Outras pessoas dizem que é sobre como registrar uma experiência impossível de ser fotografada. Acho que as duas coisas são verdade", diz Clara. "Em alguma instância, talvez seja apenas sobre aceitarmos que a própria noção de sujeito que tão arduamente passamos a vida moldando, está muito distante de constituir uma unidade inabalável — somos todos feitos de versões, de fragmentos de histórias, algumas inclusive que nunca serão contadas”, conclui.
SERVIÇO:
Meu pai morreu três vezes - Clara Simas
Lançamentos:
RIO DE JANEIRO
Quinta-feira, 29 de maio, às 18h.
Galeria Refresco
Rua do Rosário, 26 — Centro, Rio de Janeiro
SÃO PAULO
Sábado, 31 de maio, às 14h.
Lovely House Casa de Livros
Galeria Metrópole - Av. São Luís, 187, 1º andar, sala 30 - República, São Paulo
RECIFE
Quinta, 5 de junho, às 18h
Garrido Galeria
R. Samuel de Farias, 245 - Santana, Recife – PE
Domingo, 8 de junho, 14h-17h
Cinema São Luiz
R. da Aurora, 175 - Boa Vista, Recife - PE
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