Gravada por Wanderléa em 1972, a canção “Mata-me depressa”, com seu refrão rasgado e linguagem popular, podia ser facilmente encarada como uma continuação do que a cantora se propunha a fazer desde o início da carreira. No entanto, o contexto no qual a canção havia sido gravada rompia com qualquer expectativa de continuidade. Basta dar sequência ao repertório do LP “Maravilhosa” (1972), do qual faz a música faz parte, para perceber que Wanderléa já não falava mais a mesma língua.
A regravação de “Back in Bahia”, de Gilberto Gil, que sucede a faixa de abertura, é um dos primeiros indícios. “Mata-me depressa” é a única faixa que destoa do restante do repertório, tendo sido apenas uma escolha “estratégica” de Nelson Motta, diretor do álbum, para inserir o público, paulatinamente, num outro universo. “Como era a que mais se aproximava da Jovem Guarda, ele acreditou nessa música como uma ponte para a nova proposta que trazíamos. Na verdade, queríamos brincar com a possibilidade de fazer uma coisa mais pop e rock, com mais brasilidade, um trabalho totalmente diferenciado”, explica Wanderléa sobre o conceito do LP que se tornou antológico, e teve a chance de ser revisitado pelo público que compareceu à Virada Cultural de São Paulo, o ano passado. Na ocasião, a cantora executou e registrou em CD e DVD, o show do repertório do disco, na íntegra.
Gravada no Theatro Municipal de São Paulo, a apresentação não traz a mesma ousadia visual que o show de 1972, quando Wanderléa subia ao palco seminua, de saia filó transparente, bustiê, salto alto e toda purpurinada. No entanto, a vontade de abandonar a imagem de Ternurinha que tanto lhe perseguia, e tornar-se Maravilhosa, é eminente. “Com exceção do pique que eu tinha nos anos 1970, fiz o show com a mesma alegria e emoção”, diz. A liberdade de poder assumir outra personalidade que não lhe fosse imposta parece ser a principal bandeira levantada pela cantora neste disco, ainda que implicitamente. “Sempre tive motivação pra fazer música que não fosse apenas num determinado gênero. Acontece que explodi num gênero popular e as pessoas ficavam me enquadrando só naquela linha. Mas eu adoro fazer coisas diferentes na hora que me der vontade”.
Numa das primeiras pausas que fez para dialogar como público do Theatro Municipal, Wanderléa comenta sobre a rejeição do álbum na época que foi lançado. Incompreendido pela grande mídia, “Maravilhosa” não obteve a visibilidade que mereceu, pois rompia com a imagem de “musa da jovem guarda” que lançou a moça no Brasil. “Assumi uma posição em cima do palco completamente diferenciada de tudo que vinha fazendo anteriormente. Antes estava sempre no rádio, em frente a um microfone, parada. Na temporada que fiz no Teatro Tereza Raquel, na época do lançamento do LP, pude teatralizar e investir na presença de palco. Tive aulas de dança com Paulette do Dzi Croquettes. Quem pôde conferir na época, ficou fã de toda essa modernidade. Fiquei com dois públicos, o que já me acompanhava na Jovem Guarda e o que me conheceu a partir deste trabalho”.
O título do álbum foi pensado por Nelson Motta, também idealizador da capa, que traduz o novo estado de espírito da cantora através de uma impactante peruca black power loura, numa mistura de criola com funk, e maquiagem carregada nos olhos. “A ideia é que a capa comunicasse, de cara, que ali tinha algo diferente”. As composições, segundo Wanderléa, foram buscadas sob o critério de que atendessem ao perfil do trabalho. “Vida Maneira”, de Hyldon, é praticamente um grito de liberdade: “Quero ter uma vida maneira, mas não levo jeito de prisioneira (…) Que bom que você descobrisse que tudo evoluiu’’. “Quero ser Locomotiva”, segundo ela, é a cara desse trabalho, marcando a estreia do Jorge Mautner, como compositor, no cenário musical brasileiro. Em pleno verão carioca e sob forte influência do Carnaval que batia na porta, Wanderléa ainda encerrava o show cantando marchinhas. Trazer esse disco à tona num outro contexto foi sinônimo de alegria para a cantora. “Foi uma viagem no tempo. Sem falar que não podíamos ficar parando pra repetir as músicas. Tocamos de uma vez só. Essa espontaneidade fez o diferencial”, conclui.
RUPTURA
Foi em 1971, após uma visita a Caetano e Gil no exílio londrino, que Wanderléa trouxe na bagagem a primeira música que rompia com a Jovem Guarda. O frevo inédito “Chuva, Suor e Cerveja” foi contestado pela CBS, sua gravadora até então. No entanto, ganhou visibilidade no programa de Chacrinha, estourando como um grande sucesso e posteriormente sendo gravado em compacto pela Polydor.
SERVIÇO
DVD “Maravilhosa ao vivo”
Preço: R$ 25,90
Fonte Folha de Pernambuco
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