Três dos principais cineastas do
país na atualidade deram novos contornos à conturbada situação enfrentada pelo
filme pernambucano Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, às vésperas de estrear
nos cinemas brasileiros (em 1º de setembro) e de ser exibido no Festival de
Gramado. O conterrâneo e diretor de Boi neon, Gabriel Mascaro, e a diretora de
Mãe só há uma, Anna Muylaert, se solidarizaram e decidiram retirar os próprios
longas-metragens da disputa por uma indicação brasileira ao Oscar. Já Roberto
Berliner, diretor de Nise - O coração da loucura, resolveu manter o filme na
disputa, mas sob protestos.
Os gestos de apoio representam um
posicionamento contrário às práticas recentes adotadas pelo Ministério da
Cultura, interpretadas como retaliação contínua a um protesto feito pela equipe
de Aquarius durante o Festival de Cannes, na França, contra o afastamento da
presidente Dilma Rousseff, definido pelos artistas como golpe de estado. As
medidas do governo interino em relação ao filme desde então têm sido contestadas
pela classe artística.
“Decidimos tornar pública a nossa
decisão de não submeter o filme Boi neon à comissão brasileira que indica o
representante nacional ao Oscar 2017. É lamentável que o Ministério da Cultura,
por meio da Secretaria do Audiovisual, endosse, na comissão de seleção, um
membro que se comportou de forma irresponsável e pouco profissional ao fazer
declarações, sem apresentação de provas, contra a equipe do filme Aquarius,
após o protesto no tapete vermelho de Cannes”, diz nota publicada na página
oficial do filme do cineasta Gabriel Mascaro no Facebook.
O texto faz referência à
indicação do crítico Marcos Petrucelli para a comissão julgadora eleita pelo
Ministério da Cultura. O jornalista é marcado por emitir comentários negativos
contra o diretor de Aquarius na internet. Em maio, durante a exibição do filme
no Festival de Cannes, ele chegou a insinuar que a viagem de toda a equipe
havia sido financiada pelo governo federal com dinheiro público. Em carta
aberta divulgada nesta semana, Kleber criticou a indicação e mostrou
descontentamento com o processo. “Com fatos puros e simples, combate-se o tipo
de mentira destrutiva que um comunicador tem espalhado de forma tão
irresponsável. E essa pessoa está numa comissão que deveria defender os
interesses do país, para julgar um filme que ele mesmo vem caluniando da forma
mais torpe imaginável”, ele escreveu.
Assim como Gabriel Mascaro, Anna
Muylaert também dediciu sair do páreo em favor do longa do cineasta Kleber
Mendonça Filho. Ela preferiu não entrar na disputa por achar “que Aquarius
merece mais a indicação”. E classificou como um ato de “retaliação” a nomeação
de Marcos Petrucelli na comissão, já que a estreia de Aquarius em Cannes foi
marcada por protestos do elenco contra o presidente interino Michel Temer. “O
Brasil não é mais uma democracia”, “O mundo não pode aceitar o golpe” e “Nós
vamos resistir” foram mensagens estampadas nos cartazes levantados pela equipe
no tapete vermelho do evento.
A cineasta também fez coro às
críticas contra a classificação indicativa de Aquarius, enquadrado como obra
adequada para pessoas acima de 18 anos. “Tanto essa história da classificação
quanto a do Oscar são pequenas atitudes de retaliação”, observou Anna Muylaert
ao Viver. O Ministério da Justiça creditou a idade mínima para assistir ao
longa à existência de “situações sexuais complexas” e “drogas”.
O filme pernambucano tem três
cenas de sexo, duas com nudez frontal (masculina e feminina), com imagens que
duram menos de 30 segundos. A limitação, considerada prejudicial à bilheteria
de Aquarius no cinema e à carreira em outras plataformas, gerou espanto na
categoria porque filmes brasileiros contemporâneos, como Tatuagem e Boi neon,
contêm passagens com dinâmica semelhante e receberam censura indicativa mais
branda (16 anos). A distribuidora Vitrine Filmes recorreu da decisão, mas não
obteve sucesso.
O diretor Roberto Berliner
afirmou, em nota enviada ao Viver, que repudia a postura de Petruccelli:
"Este cidadão tem feito declarações infelizes atacando o filme Aquárius.
Sou solidário à equipe do filme e ao diretor, Kleber Mendonça Filho, tanto em
relação à sua posição política quanto em relação à liberdade de manifestação.
Eu, Roberto Berliner, sou contra o impeachment, sou contra o golpe, portanto,
fora Temer! Mas, por respeito à história de Nise, à equipe do filme, aos
milhares de espectadores, aos outros jurados e demais concorrentes, considero
importante manter Nise - O Coração da Loucura na disputa. Pela confiança no
filme que fizemos e pela importância de levar essa história ao conhecimento do
maior público possível. Proponho que nós, cineastas concorrentes, nos unamos
para tentar a retirada desse membro da comissão julgadora que indicará o
representante brasileiro ao invés da retirada de filmes da competição."
Em nota oficial, o Ministério da
Cultura afirmou que a inscrição dos filmes postulantes à vaga continuam abertas
e, até agora, não foi registrada nenhuma retirada de candidatura. "O
Ministério reforça a confiança na capacidade e na isenção da comissão escolhida
pela Secretaria do Audiovisual. A escolha do filme atende a critérios estritamente
técnicos", diz o texto.
Relembre a polêmica:
Maio
Em maio, Aquarius se torna o
primeiro filme pernambucano a concorrer à Palma de Ouro em Cannes, principal
premiação do mais importante festival de cinema do mundo. Ao passar pelo tapete
vermelho, a equipe levanta cartazes e denuncia o “golpe de estado” no Brasil.
Junho
O ministro da Cultura
de Michel Temer,
Marcelo Calero, chama de “quase
infantil” e “até um pouco totalitário” o protesto feito pela equipe de
Aquarius, em entrevista
a um programa de televisão. “Eles
comprometem a
imagem do país”, disse Marcelo
Calero.
Julho
O jornalista Marco Petruccelli,
opositor de Mendonça Filho, é convidado pela Secretaria do Audiovisual, do
Minc, para integrar a equipe que escolherá o filme brasileiro indicado ao
Oscar. Ele definiu o protesto em Cannes como “vergonha”. O Minc negou partidarização.
Cineasta criticaram.
Agosto
Às vésperas de estrear nos
cinemas, Aquarius recebe a classificação indicativa para 18 anos. A Vitrine
Filmes recorre, mas não muda o veredito. A comunidade cinematográfica se
solidariza com a equipe do longa. Cineastas Gabriel Mascaro e Anna Muylaert desistem
da disputa da pré-indicação ao Oscar.
O filme
Aquarius narra o processo de
enfrentamento de uma crítica de música viúva (Sonia Braga) às pressões
exercidas por uma corretora imobiliária para desocupar o apartamento onde ela
vive, em uma área nobre do Recife. A valorização da memória afetiva da cidade e
a possibilidade de convivência entre passado e presente são questões
transversais do longa-metragem. Elogiado pela crítica em Cannes, com menções à
atriz para concorrer ao Oscar, o filme venceu o Festival de Sidney, na
Austrália, e segue carreira em mostras de peso, como o Festival de Cinema de
Nova York.
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