Há pouco tempo recebemos a notícia da morte prematura de um grande comediante de sua geração: Mathew Perry, o Chandler de “Friends”, que se afogou na própria banheira, provavelmente sob efeito de substâncias ou depois de um mal súbito. Mathew viveu, como muitos comediantes, o paradoxo de saber extrair a graça das pequenas coisas do cotidiano e divertir a todos com seu fabuloso talento, tendo em sua vida pessoal períodos de profundas trevas, com Depressões graves e uso de álcool e várias drogas, o que determinou muitas internações, tratamentos e tentativas de reabilitação, mas sempre com a característica crônica e recorrente desses transtornos levando a muito sofrimento dos pacientes e de seus seres amados. Ele sempre foi muito aberto ao expor publicamente a sua doença, para trazer luz ao problema e benefício aos que partilham desse sofrimento. O seu livro autobiográfico: “Amigos, Amantes e A Grande Coisa Terrível”, que eu não li, falava sobre essa montanha russa de prazer e de mergulhos nas trevas que sua condição determinava. Sou capaz de arriscar que esses mergulhos no Inferno estavam relacionados às mudanças de humor, angústia e processos depressivos, que acabavam gerando as recaídas. Essa é “Aquela Coisa Terrível”.
Robin Williams também encerrou sua vida tragicamente, pondo fim à própria vida na vigência de mais uma depressão gravíssima. Ele nos alegrou e marcou com personagens cômicos inesquecíveis, em filmes como “Patch Adams”, “Uma Babá quase Perfeita” e tantos outros que lembramos no sabor de um sorriso ou uma gargalhada aberta e fora de hora. Mas o seu personagem que mais me marcou foi do psicanalista do filme “Gênio Indomável”, Dr Sean MacGuire.
Poucas vezes pude ver alguém transmitir tanta tristeza em seu olhar como esse e outros personagens dramáticos de Robin. Seu personagem está preso em um profundo processo de luto, pela morte de sua esposa, o amor de sua vida. Vive uma vida reclusa, atende poucos pacientes e dá aulas de Psicanálise para poucos alunos. Seu embate com o jovem prodígio Will Hunting, papel escrito e vivido por Matt Damon, é uma pequena obra-prima de nosso tempo. A capacidade de Robin Williams de traduzir a tristeza, assim como grandes comediantes como Jerry Lewis, Chico Anísio e Jim Carrey, traz em comum o histórico de grandes e profundos quadros depressivos e da Doença Bipolar em alguns casos desses e outros comediantes. Isso significa que a doença e o talento andam juntos nesse mundo? Em muitos casos, sim. Estudos mostram que comediantes tem muito mais alterações de humor, depressões e risco de uso e abuso de drogas que a população em geral. Você corre mais risco psiquiátrico sendo um comediante do que sendo um contador. Nada contra nenhuma das duas profissões. Mas é grande a carga de estresse de quem esconde a própria tristeza com seu talento, ou busca ser amado agradando e divertindo as pessoas.
Essa é a cilada do palhaço: ao mesmo tempo que ajuda as pessoas a transcender a própria angústia, como Robin Williams arrancando gargalhadas de Stephen Spielberg, no final do dia, é como se ficassem presos dentro dessa Persona alegre, sem espaço para a própria dor.
Uma das primeiras lições que ofereço a meus alunos é a Lei de Spinelli número 13 (os números são alheatórios): “Ou você dá conta da sua Ferida, ou a Ferida dá conta de você”. Simples (ou não tão simples) assim.
Jim Carrey, que também falou e ajudou muitas pessoas com os relatos de suas Depressões, pegou um trecho de um escritor que fez a brincadeira com a palavra “depressed”(deprimido) para “deep rest”(descanso profundo). Nossa maior ânsia na vida é receber\dar amor e ser importante para as pessoas. A cilada do palhaço é achar que a sua valência está toda relacionada com sua face alegre. E nunca cuidar da ferida que fica debaixo da sua máscara. Essa necessidade compulsiva de ser feliz e divertir as pessoas acaba terminando em um cansaço profundo. E sua última cena não evoca em nós nenhum riso, mas algumas lágrimas de saudade.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação younguiano e autor do livro Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa

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