Lembro de uma passagem, em que um sujeito fez um ataque desse nível à Psicanálise (Natália também atacou a Psicanálise em seu livro), e uma famosa psicanalista francesa ficou sem palavras para responder. Um colega veio em seu socorro e falou uma frase maravilhosa: “A Psicanálise pode fazer muito, mas nada pode diante da Estupidez”. Ou seja, um ataque estúpido, pouco embasado, e mesmo epistemologicamente pobre (a Epistemologia é a Filosofia da Ciência) não dá margem à resposta.
Note o leitor ou a leitora dessas mal tecladas que sou médico psiquiatra, alopata de carteirinha, portanto, não pratico a Homeopatia nem sou psicanalista, portanto não deveria levantar barricadas para defendê-las. A estupidez e a lacração viraram formas de não debate que tomaram conta de nosso cenário cultural e, muitas vezes, a conduta é ignorar pura e simplesmente esses “haters”, onde quer que estejam. Mesmo o livro jihadista da microbióloga, em que atacou a Psicanálise, a Medicina Tradicional Chinesa e Acupuntura, a Astrologia e a Homeopatia e outras disciplinas como bobagens pseudocientíficas, pouca gente rebateu, parece que quem mais se doeu foram os psicanalistas. Rebater esse tipo de “hater”, para quem só a água benta do glorioso Método Científico pode produzir conhecimento verdadeiro, parece improdutivo. O que não pode ser medido, mensurado, quantificado, é uma bobagem. E ponto.
Deve e perguntar o corajoso leitor e leitora que chegaram até aqui: e eu com isso?
Lembro de uma pessoa de minha família, que apresentava um quadro neurológico intermitente. O colega que a investigou, ótimo neurologista por sinal, foi testando mais de uma vez todas as hipóteses diagnósticas, envolvendo nervos periféricos. Um achado de exame mostrava uma dilatação dos ventrículos, no Cérebro, mas as alterações motoras não batiam. Depois de extenuantes exames inconclusivos, minha parente tomou uma dose alta de tranquilizante, segundo ela, porque “queria dormir uns dois dias sem parar”. Foi internada e dormiu uma semana. Não tinha nada que justificasse uma sedação tão prolongada. Finalmente falei com meu colega que ele estava revirando tanto a fiação, quando o problema parecia estar na Central Telefônica. Ele entendeu o recado. Foi diagnosticada uma Hidrocefalia de Pressão Normal e colocado um dreno. Ela ficou ótima. O quadro era atípico, inconclusivo e foi preciso correr o risco de testar a hipótese de maneira corajosa. Podia ter dado errado? Podia. Mas a apresentação clínica deu essa dica. Isso contrariou as estatísticas.
A Medicina baseada em Evidências acabou com o médico estrela, que tratava os pacientes baseado apenas em suas suposições e experiência. Hoje temos guias e estudos de milhares de casos para testar um tratamento. Estamos caminhando para uma Medicina de Big Data, então quantificar é muito importante e produtivo. Mas, como o Dr Amadeu Amaral e Osvaldo Cudizio escreveram, no artigo abaixo da destacada microbióloga, os dados quantitativos ajudam muito, mas nem sempre trazem bons resultados no cuidado com os pacientes. A Homeopatia, que envolve uma percepção qualitativa profunda e complexa, pode oferecer esse cuidado.
Como o máximo de atendimento que a moça realizou em sua vida foi de uma placa de Petri ou alguma lâmina no microscópio, então sair por aí como representante de algum cientificismo inquisitorial parece um serviço à humanidade, mergulhada nas trevas do pensamento mágico que ela pretende combater.
A relação entre humanos, que acontece nas sessões de Psicoterapia, na Homeopatia e na Relação Médico-Paciente são difíceis de quantificar. O Método Científico tenta expurgar dos estudos esse fator intersubjetivo entre humanos. Existe claramente uma direção de se projetar uma Medicina em que um programa de Inteligência Artificial possa fazer diagnósticos e propor tratamentos. Mas vai ser difícil um programa de IA perceber um dos mistérios da Ciência, que é o “Qualia”. Qualia é a característica qualitativa de uma experiência. É o que permite perceber que uma pessoa está diferente quando está mentindo, ou fingindo algo. Há uma percepção da qualidade diferente da situação.
Não há interesse de uma mensuração séria dos resultados dos tratamentos baseados na Qualia dos fenômenos. Por isso são tratados com a estupidez de que “não passa de Placebo”. Os estudos científicos comprovam que o efeito placebo, em algumas doenças, podem chegar a melhoras em mais de 60% dos casos. Se a interação entre o médico ou o terapeuta e o paciente for boa e afetiva, o efeito é ainda maior. A relação entre humanos tem essa característica curativa. Muitas das disciplinas que a microbióloga gosta de atacar geram essas melhoras e alívio de aflições das pessoas. Não se acha isso em tabelas e estatísticas infinitas. Atacar essa tradição de ajuda é um Terraplanismo Científico. Ou uma profunda estupidez.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiano e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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