Em "Aguda", Mayara Millane mergulha no universo do amor, conduzindo a personagem por uma jornada que transcende o espaço e o tempo. A ausência, a dor aguda e a epifania são elementos que tecem a trama, levando o público a reflexões profundas sobre a complexidade desse sentimento universal. "Quando amamos, algo se movimenta, começa de um jeito e termina de outro, o amor sempre transforma. Assim como a experiência teatral e cinematográfica do público ao assistir a obra, naquele instante da presença, algo acontece e se modifica", conta Mayara Millane.
Para a diretora, a temática principal de “Aguda” é justamente o estado físico e emocional que nos deparamos quando a gente perde, é a agudeza da ausência do amor ou do objeto amado. "Todo mundo fala sobre o amor, ele é o maior tema de inspiração para todos os tipos de obras, seja no cinema, na música, na literatura; mas é sempre aquele olhar romantizado do amor ou do fim do amor. Aqui em Aguda, o tema principal é esse estado físico e emocional em que o corpo entra, como uma espécie de abstinência, e que a gente não quer acessar. E precisamos refletir e dialogar sobre isso, até para podermos aprender a amar melhor", afirma a realizadora.
A escolha do formato peça-filme para “Aguda” veio do processo de pesquisa de Mayara, que é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Artes da Cena na Universidade Estadual de Campinas - Unicamp, no campo da Cena Expandida. "A partir desse lugar, eu escolhi utilizar a linguagem cinematográfica - no sentido de filmar e ter um objeto pronto - como o caminho mais acessível para criar, e promover o estudo dessa linguagem. A linguagem cinematográfica vem como impulsionador, mas a estrutura dramatúrgica é do teatro", explica a diretora. Nas atuais pesquisas das artes da cena, Aguda se encaixa no que hoje está sendo compreendido como cena expandida: aquela que não se circunscreve apenas ao fazer teatral, como àquele associado aos modos de produção e recepção teatrais convencionais, mas também se articula diretamente a áreas artísticas distintas, como as artes visuais, as mídias audiovisuais, a performance, a dança, a literatura e a fotografia.
Em sua pesquisa, Mayara identificou que o estado, a ação física e a repetição são comuns ao cinema e ao teatro, por isso, interagem como pontos de fusão entre as linguagens. Já o jogo cênico, a partir da imagem, da narrativa e do som são como pontos de fricção, se tocam, se aquecem, geram força de atrito, mas cada uma das linguagens tem seus possíveis caminhos e recursos de criação semiótica e sinestésica. Já os textos, no caso da dramaturgia teatral e do roteiro cinematográfico, são como pontos de fronteira, mesmo possuindo os mesmos gêneros (drama, épico ou lírico), cada um deles tem estruturas específicas de escrita que os diferenciam.
"Tem uma questão que me aflige muito que é a situação do Teatro hoje, na contemporaneidade. A gente vê cada vez mais teatros pegando fogo. Minha escola de teatro está totalmente sucateada, o teatro que eu cresci assistindo peças foi incendiado, a gente está vendo o teatro cada vez menos acessível. E uma coisa que me traz angústia, enquanto pesquisadora da Arte da Cena, é como o público vai conseguir ter acessos às produções teatrais no país. Com a cena expandida, através da união entre o teatro e a linguagem cinematográfica, isso se torna muito mais acessível de se realizar. E isso me impulsionou, porque qualquer um pode acessar a obra de sua própria casa. E esse encontro com o público é o que me interessa", defende Mayara, que espera, a partir desses pontos de fricção, fronteira e fusão das linguagens do cinema e do teatro, contribuir para as atuais pesquisas no campo da cena expandida, gerando conhecimento a partir da prática artística. "A minha expectativa é que a gente possa experimentar e estudar mais como essas linguagens podem interagir para impulsionar ainda mais a potência do teatro", complementa.
"Como é uma obra de pesquisa de linguagem, eu sinto que tem pessoas que vão amar e tem pessoas que não vão entender, e questionar. Enquanto pesquisadora, eu estou bem feliz com o resultado da obra. Eu consegui chegar onde queria e espero que, aos poucos, o público do teatro e do cinema vá assistindo e dialogando com este trabalho", complementa. Em paralelo a sua temporada de estreia, “Aguda” deve ganhar vida também na academia: ainda esta semana, a realizadora irá apresentar o trabalho no Simpósio Internacional de Artes da Cena, na Unicamp, em São Paulo.
AGUDA é uma realização da Sementeira Produções Artísticas, em coprodução com a Gasa Filmes; incentivo do Funcultura, Fundarpe e Governo de Pernambuco; e apoio da Clandestino Pós, Laboratório Cisco e Graave Comunicação.
MAYARA MILLANE
Mayara Millane é atriz, diretora e pesquisadora da cena e do audiovisual. É mestranda no PPG em Artes das Cena/Unicamp, possui graduação em Teatro pela Universidade Federal de Pernambuco (2016), formação técnica em Artes Dramáticas pela Escola de Teatro Martins Pena - RJ (2010) e em Roteiro pela Roteiraria - SP (2023). Como atriz, esteve no longa-metragem “Curral”, de Marcelo Brennand (2020); na série para televisão “Os ovos da raposa”, de Valdir Oliveira (2019), na minissérie "Justiça", de José Luiz Villamarim (2016); entre outros. Fez a preparação de elenco e foi diretora assistente do curta "Da ponte pra cá" de Junior Malta e Gustavo Santos.
Criou, dirigiu e realizou o experimento cênico virtual "Apaixonite Aguda" (2021), as performances “Amoravida” (2019), “Mulher-planta” (2018), “Puta" (2017), “Uterina” (2016) e “Dorotéia Desvairada” (2015). Dirigiu e atuou no seu primeiro curta-metragem, “DEUSA” (2018), que reúne alguns dos principais interesses de sua pesquisa (dramaturgias da memória, do feminino e cinema experimental) o filme foi ganhador do prêmio de Melhor Curta-metragem Experimental no 20º FESTICINE e do prêmio de Melhor Atriz da categoria nacional no 6º Festival de Cinema de Caruaru.
Em 2024 lança, por meio de temporada online, a peça-filme “AGUDA" e dá início à pesquisa do projeto "Debaixo dos Pés, um Berço".

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