No belíssimo filme “Vidas Passadas”, ao qual eu pretendo dedicar uma análise mais longa no futuro, dois namorados de infância, da Coreia do Sul, se reencontram, após mais de vinte anos, em Nova York, ela casada e escritora, ele solteiro e com a vida meio travada na mediocridade. Conversam longamente, inclusive, sobre o relacionamento que ele acabara de romper. Nora, a moça, fala sobre casamento com uma metáfora encantadora: para ela, o casamento é como plantar duas plantas no mesmo vaso, e as raízes das plantas vão, inelutavelmente, disputar espaço, e isso vai causar desconforto. Se as raízes se ajeitarem e forem complementares, vai dar certo. Mas pode também acontecer das duas plantas se sufocarem mutuamente.
Os estudos mostram que o casamento hoje é muito mais igualitário, menos machista e menos determinado por imperativos econômicos. A mulher, no mais das vezes, não depende mais economicamente do marido, nem fica presa numa estrutura de dominação, tanto que estatísticas americanas apontam que as mulheres já estão pedindo o divórcio duas vezes mais do que os homens. Elas não ficam mais presas dentro de um casamento infeliz. Já o desejo dos homens de casar e ter filhos, além de assumir responsabilidades, está menor, levando a mulher a ser aquela que fica lutando desesperadamente para levar a relação “ao próximo nível”, como no caso que contei no início desse artigo.
O fato é que a relação a dois ficou bastante contaminada pela instância política, de mulheres que solicitam mais presença e dedicação dos caras, que sonham com esposas mais acolhedoras e mais parecidas com a geração de suas mães. O resultado, como a metáfora do filme, pode ser uma disputa entre as raízes que levam as duas plantas ao esgotamento. Ou, uma raiz engolir a outra, com uma planta prevalecendo e a outra perdendo o brilho. Isso está fazendo os casamentos serem mais tardios e menos propensos a durarem.
A sabedoria oriental do filme pode criar uma metáfora melhor: menos que uma disputa por espaço, as raízes precisam ter uma presença complementar. O problema é que a disputa de direitos e deveres cria uma espécie de nova moral, que às vezes “obriga” um dos participantes à separação. Buscar a complementaridade, abrir mão e sustentar a tensão de uma relação a dois já é suficientemente difícil, sem que a relação vire uma eterna (e sofrida) queda de braço.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”.

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