Crenças limitantes, segundo a galera de coachs e gurus motivacionais, são aquelas crenças repetidas em nossa cabeça que nos impedem de ter uma vida maravilhosa. Vou dar um exemplo contando uma história: li um livro sobre o silêncio no budismo, e o autor, um desses monges carequinhas e muito simpáticos, contou a história de outro monge que era dirigente de um Mosteiro. Acontece que o Mosteiro um belo dia pegou fogo e se consumiu todo no incêndio. O abade organizou os recursos da comunidade e de benfeitores para a sua reconstrução, mas, no meio da empreitada, começou a ser perseguido por pensamentos pessimistas. O principal pensamento (ou falsa crença) era que ele não tinha sorte. Desde a infância, tudo de errado acontecia com ele. O Mosteiro tinha se incendiado e queimado porque ele não tinha sorte. Apesar dos apelos das pessoas próximas, o monge foi minguando em uma profunda tristeza, até ter que ser substituído em suas funções. Morreu algum tempo depois. Li essa história com a caneta e o carimbo pulando no meu bolso: evidentemente que o abade teve uma Depressão e que a falta de tratamento fez com que a mesma se aprofundasse. E tudo começou com um pensamento, que se espalhou como um vírus pelas suas células. Essa crença limitante literalmente tomou a vida do homem até roubar sua energia.
Isso quer dizer que esse tipo de crença limitante pode tomar a mente de uma pessoa como uma Assombração? Claro que sim. O que me causa então a implicância com os gurus gritando que vão tirar de todos suas crenças limitantes? Por vários motivos. Antes de mais nada, as Crenças não são crenças. São engramas. O que? Calma, eu explico.
Engramas são pedaços de Memórias, Cenas, Traumas e Imagens que são gravadas em nossas Redes Neurais sem que a gente perceba. Buscá-los demanda muito trabalho interno. Ouvir um guru motivacional berrando não remove os engramas. E eles mandam mais em nossa vida do que gostaríamos. O tal do monge, por exemplo. Vamos imaginar que ele fosse de uma família grande, onde os irmãos eram mais brilhantes e ele era mau aluno. Ou que as melhores coisas aconteciam sempre com os outros, nunca com ele. Digamos que ele foi virar monge porque a família não tinha como alimentar a todos, mas ele se dedicou, fez seu trabalho, estudou as Escrituras e depois de muitos anos virou o responsável pelo mosteiro. Quando ocorreu um acidente, ele foi possuído pelo pensamento que estava lá como um engrama, um tumor pronto a se espalhar. Se, alguns anos antes tivessem perguntado se ele tinha a crença de ser azarado ou sua vida nunca ia dar certo, claro que negaria. A falsa crença apareceu num contexto de estresse e perda. E o que é pior, a falsa crença não está na superfície da nossa Consciência.
O que devemos fazer então? Parar de ouvir os gurus de internet combatendo as falsas crenças? Claro que não. Mas saiba que buscar e ressignificar as Crenças Limitantes leva muito tempo e dedicação. Entender como começaram, como cresceram e que estrago fizeram e fazem em nossa vida é trabalho de elaboração e reprocessamento. É melhor sempre desconfiar de quem oferece soluções rápidas e aparentemente milagrosas. A Natureza não dá saltos.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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