A Baía de Guanabara é talvez o maior símbolo das contradições do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo acolhedora e violenta, bela e assustadora, rica e pobre. Mas foi ao redor dessa baía que a cidade nasceu e cresceu.
Quando vemos o catador de mexilhões em ação no fundo da baía; ou o personagem (quase ausente) que monta um hidroavião com entulhos como latas de cerveja, garrafas pet e pedaços de isopor, ironicamente dialogando com a obra de Rauschenberg; quando vemos um 'faz-tudo' prisioneiro em sua própria comunidade, que escapa à noite, pescando silenciosamente na baía. Por fim, os estivadores cochilando em redes esperando seu turno, nesta enorme Oca, que é o armazém do cais 18. Esses personagens são todos descendentes dos índios Tupinambás-Tamoios que aqui viviam quando os franceses vinham 'extrair' o “pau-brasil”. Os índios cortavam as árvores e carregavam as toras, enchendo os navios.
Qual a diferença entre um Tupinambá que carregava madeira para as caravelas e um estivador que arcaicamente enche navios com limalha de ferro para a China? Entre o catador de caranguejos hoje, e 500 anos atrás? Da vida que agora levam os quilombolas, e a que levavam seus antepassados?
UMA BAÍA é uma viagem aos lugares originais da baía de Guanabara, testemunha silenciosa, há cinco séculos, de um processo de intensa degradação que afeta diariamente a existência de seus trabalhadores.
O filme estreia dia 18 de abril em São Paulo, Rio de Janeiro, Niterói, Brasília, Curitiba, Recife, Fortaleza, Belém, Palmas, Belo Horizonte e Salvador.
O PARAÍSO
Em janeiro de 1502, ao entrar na baía de Guanabara em missão de reconhecimento dos territórios portugueses recém-descobertos, o navegador Américo Vespúcio escreveu em suas famosas Cartas sobre o Novo Mundo: “Certamente, se o paraíso na terra está em algum lugar, certamente não deve estar muito longe de onde me encontro”.
Eram os povos indígenas que a chamavam de Guanabara, que na língua de hoje significa “o seio do mar” para alguns, ou “baía que parece um mar” para outros.
Mais de 50 aldeias habitavam os arredores da baía quando os primeiros barcos europeus chegaram. Em poucas décadas os nativos desapareceram, dizimados pela doença, pela guerra e pela própria miscigenação. Depois vieram os africanos. Estima-se que mais de dois milhões de negros, escravos, entraram no Brasil pela Baía de Guanabara e muitos descendentes diretos desse processo colonialista ainda vivem e ganham seu sustento nos mesmos lugares e atividades que seus ancestrais. Como se estivessem presos no tempo, enquanto ele avança.
SINOPSE
Uma Baía observa a Baía de Guanabara no que tem de mais bela, e naquilo que ela oculta, criando fábulas visuais sobe oito personagens que habitam no seu entorno, durante suas lutas pela sobrevivência que dá sentido às suas existências. Vivem a tensão ente a beleza e o espanto.
OITO FÁBULAS
I - A lenta trajetória dos rolos de minério de ferro sendo abduzidos numa mecânica que perdeu sentido e lugar na História. Obra de estivadores, espectadores desatentos de uma História que agora acontece na TV.
II - Em uma longa e cansativa jornada, um catador de caranguejos solitário pega centenas de crustáceos para garantir sua sobrevivência. Caçador e caça acabam virando o mesmo? Mas, o caranguejo precisa fugir de seu destino.
III - O fervor místico de quem é refém de um cotidiano que não se renova. Preso entre suas crenças e seu trabalho, um barbeiro vive à mercê do destino que vai dizer se ele leva um peixe para casa ou não.
IV - Um pedreiro enfrenta uma rotina interminável de trabalho. Cativo desse universo, ele pedala pelos labirintos de sua comunidade para encontrar a salvação nos seus encontros noturnos com as águas da baía.
V - Quilombolas perpetuam a jornada homérico de volta à casa, após a dura jornada noturna de trabalho. Oferecem refeição para a sua comunidade, que elegeu a rua como seu santuário.
VI - O que pode ser construído com o lixo? A improvisação é nossa maior habilidade, mas que sempre fica aquém. Como agora, nossa terra.
VII - Escravizado pelo destino, um cavalo trota. Não há escapatória. Apenas um olhar significativo grita.
VIII - O homem do fundo do mar, que vive do que encontra nos pilares da ponte que atravessa a baía. Sua existência está incrustada na lateral de uma rodoviária, onde as pessoas voltam para casa com o peso de um país que se perdeu na própria História.
O DIRETOR
Murilo Salles nasceu no Rio de Janeiro em 1950. Na adolescência, dedica-se a uma iniciação fotográfica que se desdobra em sua precoce carreira como Diretor de Fotografia em Tati a Garota (1972), de Bruno Barreto, Lição de Amor (1974), de Eduardo Escorel, e Dona Flor e dos dois maridos (1975), também de Bruno Barreto. Aos 26 anos parte para Moçambique a convite de Ruy Guerra. Ali dirige seu primeiro longa-metragem Estas são as armas, um documentário ensaístico sobre o colonialismo português em Moçambique, que ganhou o prêmio 'Pomba de Prata' do Festival de Leipzig, em 1978, e se tornou um dos 500 melhores documentários de todos os tempos pelo National Film Board of Canada.
Desde então, dirigiu mais de 10 longas-metragens alternando entre documentários e obras de ficção, premiados em importantes festivais do Brasil e do mundo.
FILMOGRAFIA
Como diretor de longa-metragens:
Essas são as Armas (1978), doc vencedor do prêmio Pomba de Prata no Festival de Leipzig;
Nunca Fomos Tão Felizes (1984), ficção. Selecionado para a Quinzena dos Realizadores do Festival de Cannes, vencedor do Leopardo de Bronze no Festival de Locarno, Melhor Filme no Festival de Brasília;
Faca de Dois Gumes (1989), ficção, prêmio Melhor Direção no Festival de Gramado, Seleção New Directors, New Films, Lincoln Center/MoMA;
Todos os Corações do Mundo (1994), Doc Filme Oficial da FIFA da Copa do Mundo, Bronze Medal no The New York Festivals;
Como Nascem os Anjos (1996), ficção, Melhor Filme no Festival de Huelva, Espanha, e Seleção FORUM no Festival de Berlim;
Seja o que Deus Quiser! (2002), ficção. Melhor Filme no Festival do Rio, seleção oficial do Festival de Moscou;
És tu, Brasil, (2003), doc ensaio para TV Cultura;
Nome Próprio (2008), ficção, Melhor Filme no Festival de Gramado;
Aprendi a jogar com você (2015), Doc. Melhor Montagem no Festival de Paulínia;
O Fim e os Meios (2015), ficção. Melhor Roteiro, no Festival do Rio;
Passarinho lá de Nova Iorque (2015), doc. Seleção Autores Festival de Tiradentes;
Alegorias do Brasil (2018), série em 13 episódios para TV;
Uma Baía (2021), doc. World Première no DOK Leipzig; seleção oficial da Première Brasil no Festival do Rio
UMA BAÍA
Brasil, 2021, 109 min, classificação indicativa
Murilo Salles | DIREÇÃO
Murilo Salles, Eva Randolph e Itauana Coquet | ROTERISTAS
Eva Randolph | MONTADORA
Léo Bittencourt and Fabricio Mota | DIREÇÃO DE FOTOGRAFIA
Daniel Rolim | PESQUISA DE ELENCO
Itauana Coquet and Bianca Oliveira | MONTAGEM ADICIONAL
Sabrina Bittencourt and Vanessa Santos | DIREÇÃO DE PRODUÇÃO
Felipe Luz | TÉCNICO DE SOM
João Jabace | EDIÇÃO DE SOM, MIXAGEM, MÚSICA
Glauco Guigon | PÓS PRODUÇÃO DE IMAGEM, COLORISTA, DCP
Murilo Salles | PRODUTOR EXECUTIVO
Cinema Brasil Digital | PRODUTORA
ELENCO
Fábula I - Cais 18
Evandro Hermínio da Silva e trabalhadores dos sindicatos dos estivadores, do bloco nos portos, dos conferentes, dos vigias portuários, dos consertadores, dos portuários avulsos em capatazia no comércio armazenador e dos portuários avulsos arrumadores no comércio armazenador
Fábula II - Ypiranga
Icrelier Theophilo e Arenildo Vieira Navega
Fábula III - Jurujuba
Gerson Benício Ferreira, Roberto Benício Ferreira
Fábula IV - Maré
Carlos Chagas, Julia Chagas
Fábula V – São Gonçalo
Ilca Maria da Conceição Silva, Luiz Evandro Gonçalves da Silva, Maria Nazaret Gonçalves Silva, Antonio Dias de Souza, Marlaine Gonçalves dos Santos, Michele Paula Fontes
Fábula VI – Ilha do Governador
Oswaldo Antonio Martins e Silva
Fábula VII - Paquetá
Jupiara Cadete, José Batista de Oliveira e Guarany
Fábula VIII - Niterói
Gerson dos Passos Leite, Maria das Dores Santos, Fernando Borges Domingos
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