Verdade que há 33 anos a Constituição Federal de 1988 deu um passo significativo ao obrigar, em seu artigo 212, que a União aplique ao menos 18% e os governos estaduais e municipais invistam, no mínimo, 25% da receita resultante de impostos em educação. O problema é que um equívoco histórico se perpetua por falta de coragem ou omissão propositada de nossos governantes, com a covarde cumplicidade do Congresso Nacional.
Isso porque o governo federal até hoje se aproveita de uma impropriedade terminológica adotada pelos constituintes, os quais, ao tratar da obrigação constitucional de investimento em educação, fixaram percentual de arrecadação de impostos e não de tributos (que englobam impostos, taxas e contribuições). E faz isso aumentando a carga tributária via contribuições – como Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) – e adotando a política de conceder renúncias fiscais com os impostos compartilhados com estados e municípios, como o Imposto de Renda (IR) e o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Ou seja, sem que congressistas, governadores, prefeitos e reitores de universidades percebessem, o governo federal conseguiu, ao mesmo tempo, subtrair as receitas dos Estados e Municípios e impedir o aumento nominal dos investimentos obrigatórios em educação e saúde, calculados apenas sobre os impostos. Além disso, aumentou as receitas e o poder da União, e consequentemente a dependência dos Estados e Municípios, (entortaram a federação), distorcendo o princípio federativo. A comprovação de tal prática está nos números oficiais: em 1988, as receitas da União eram compostas por 80,27% de impostos e 19,73% de contribuições. Em 2020, essa balança ficou mais equilibrada, sendo 51,50% das receitas advindas de impostos e 48,50%, de contribuições.
Evidente, portanto, que se o percentual destinado à educação abarcasse também os tributos, e não somente aos impostos, haveria imediato e robusto reforço nos recursos carimbados para esse segmento, vital para mudar para melhor a realidade do Brasil. Mas não é só.
Se o País quiser garantir mais receitas para a educação, precisa rever a prática arraigada de concessão de renúncias fiscais, especialmente as que envolvem IR e IPI, cujo total correspondeu, em 2021, de 4,5 a 5% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional. Como são impostos compartilhados com estados e municípios, ambos representam perda para esses entes federativos aplicarem em educação cada vez que uma renúncia fiscal é concedida.
Em valores calculados sobre a estimativa do PIB de 2022 (R$ 9,7 trilhões), IR e IPI somam R$ 657 bilhões. E a renúncia fiscal da União sobre esses dois impostos atinge R$ 145 bilhões, ou até R$ 165 bilhões se considerada a renúncia fiscal adicional sobre IPI garantida por decretos recentes do governo federal. Isto é: as renúncias fiscais consomem 25,11% das receitas de IR e IPI.
Há outros números superlativos. As benesses fiscais da União resultam de perda de R$ 37,15 bilhões para o Fundo de Participação dos Estados e de R$ 40,42 bilhões para o Fundo de Participação dos Municípios. Isso representa R$ 19,39 bilhões a menos para investimento nos ensinos fundamental e médio (estados e municípios) e menos R$ 15,84 bilhões para o ensino superior e institutos de pesquisa (União). Um país que ainda tem 11 milhões de analfabetos não pode se dar ao luxo de desprezar R$ 35,23 bilhões por ano para investimento em área tão sensível. É possível mudar esse rumo, proibindo a renúncia fiscal com impostos compartilhados ou garantindo compensações por meio do repasse do volume de recursos retirados pela renúncia, via outra fonte.
Além de aumentar os investimentos, o Brasil ainda precisa repensar a qualidade da educação que oferece aos seus cidadãos. É urgente implantar escolas de tempo integral nos ensinos fundamental e médio assim como, na mesma medida, é necessário valorizar a profissão de professor, oferecendo-lhe remuneração adequada, capacitação permanente com treinamento e reciclagem, e melhores condições de segurança e transporte, sobretudo para os profissionais que atuam nas periferias, na zona rural e nos cursos noturnos. Recursos para isso existem e viriam da redução das renúncias fiscais.
As novas tecnologias, as novas profissões, as recentes necessidades do mercado exigem também uma revisão das grades curriculares, hoje defasadas, trazendo-as para o século XXI a fim de preparar os estudantes para os desafios atuais e futuros do mundo globalizado e altamente tecnológico. A Matemática hoje lecionada nos ensinos fundamental e médio no Brasil, por exemplo, sequer aborda a questão das finanças, com a qual o cidadão vai conviver até o fim da vida, seja a nível pessoal, seja a nível profissional. Todos os cursos deveriam incluir noções elementares de finanças, de economia e de controle de gastos.
Além disso, dadas as especificações do País, importante seria também a inserção do Meio Ambiente como disciplina obrigatória para conscientizar desde logo o brasileiro sobre a importância de se manter a floresta em pé, da necessidade disso para a preservação do regime de chuvas que assegura a produção agrícola em várias regiões do País e energia hídrica essencial para a indústria, e de práticas sustentáveis em todos os ramos de atividade. E não seria demais incluir ensinamentos sobre drogas e seus efeitos deletérios, como forma de conter o avanço dessa doença que se alastra inclusive para os municípios menores e mais afastados dos grandes centros, constituindo-se grave problema de saúde pública com reflexos na segurança.
Nem é preciso dizer que o Brasil também precisa universalizar o acesso ao ensino superior e fomentar as instituições de pesquisas, aproveitando a fonte de recursos garantida por uma nova política de renúncias fiscais que deveria ser limitada por lei a 1,5% a 2% do PIB, no máximo.
Educação nunca foi despesa; sempre foi investimento com retorno garantido, como ensinou o economista britânico Sir Arthur Lewis, em lição ainda não aprendida pelos governantes brasileiros.
É unanimidade nacional o conceito de que sem educação não há salvação. O problema é que a prática se mantém distanciada do discurso. Com isso, a salvação não veio e não virá sem mudanças profundas como, por exemplo, as discutidas nessas linhas.
**Samuel Hanan é engenheiro com especialização nas áreas de macroeconomia, administração de empresas e finanças, empresário, e foi vice-governador do Amazonas (1999-2002). Autor dos livros “Brasil, um país à deriva” e “Caminhos para um país sem rumo”. Site: https://samuelhanan.com.br
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