Amo futebol e amo Copa do Mundo, mesmo sabendo das manipulações e monstruosidades que se escondem atrás do palco. O preço do Amor é a Perda. Ou o medo da Perda. Quem não pode perder, não pode amar. Depois da derrota do Brasil fui levar minhas pets para dar uma volta, o que é a mesma coisa que eu fiz há quatro anos, quando também perdemos com o Tite para um time pior que o nosso. Fui passear para clarear as ideias e cuidar do meu coração partido. Já escrevi um artigo sobre amor de dog, então também fica claro meu amor pelos bichinhos. O preço de amar as duas doguinhas é saber que um dia existe uma chance de perdê-las. Diariamente atendo pessoas com questões maiores e menores com a capacidade de se amar, de arriscar e de experimentar uma perda. Na nossa Civilização “Lei da Atração”, tudo o que você mentalizar profundamente pode ser atraído. Portanto, quando dá errado, é que você não mentalizou direito. Ou não se esforçou o bastante. As derrotas, os erros, que fazem parte de qualquer construção de consciência ou de vida, passam a ser coisas que você atraiu com sua negatividade. A má notícia é que, mesmo quando fazemos tudo aparentemente “certo”, ainda assim a bola pode bater na canela do zagueiro e desviar do goleiro no final da prorrogação. Todo o plano de jogo, todo esforço, todo cuidado pode desmoronar em um pequeno erro humano. Porque ser humano e cometer erros é uma condição de vida. E, nessa hora em que as Redes Sociais e os arquitetos de obra pronta se apressam em linchar os garotos e o técnico Tite, o que eu tenho a dizer sobre nossos erros?
Tite tinha seus traumas da Copa passada. Ele colocou Marcelo para ser um armador daquele time. O técnico da Bélgica colocou o grandalhão Lukaku nas costas do Marcelo e de lá saiu o segundo gol da Bélgica, que acabou nos tirando da Copa. Tite montou um time de Pebolim (para os cariocas, Totó): jogadores fixos, guardando posição, à prova de uma bola nas costas. Tite tinha medo de um gol exatamente como tomamos, uma bola nas costas que pegasse a zaga de calça curta. Enfrentamos uma seleção envelhecida e lenta com um time de Pebolim que parecia ter comido uma feijoada antes do jogo. Esperando o Neymar resolver, e quase resolveu. As ultrapassagens, as trocas de posição, a flutuação que sempre fizeram do Brasil o Brasil ficaram soterradas no medo de tomar uma bola nas costas e perder tudo. O medo da Perda paralisa as pernas e impede o amor, a criação. Tite tinha medo dessa passagem nas Quartas de Final, onde dançamos há quatro anos. O medo não é uma coisa negativa. É uma arma de sobrevivência. De motivação. Cuido das coisas que amo, porque não quero perdê-las. O medo não assumido vira covardia. Faz o time tremer. O medo de perder devia ter sido tratado com o amor pela vitória. Com a leveza que tivemos contra a Coréia, mas não contra a Croácia. Contra a Croácia, o medo fedia pelo campo, em cada passe errado, em cada falta de ousadia e de alegria. O medo que um líder precisa ensinar a converter em coragem e entrega.
Gosto do Tite e não vou entrar no pelotão de fuzilamento da opinião pública, que transforma uma derrota num jogo meio chato em tragédia nacional. Enquanto andava com minhas pets, com o coração doído e apertado pela perda, perda da esperança, da espera, do bolão da família e de tudo o que cerca a Copa, inclusive da possibilidade de unir um país despedaçado como o nosso, sim, no meio de todas essas perdas pude sorrir de ter arriscado amar e, portanto, arriscado a perder. E sempre vale a pena amar, apesar da dor de perder. A dor de perder talvez reforce nossa capacidade de amar. E a nossa capacidade de reconhecer nossos erros, em vez de transformá-los em fantasmas.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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