Assisti um documentário que mostrava a ilha de Okinawa, no Japão, onde há um dos maiores índices de pessoas com mais de cem anos no planeta. Velhinhos de diversos modelos, tamanho e anos de fabricação convivem em centros de convivência e apoio. Muito já se estudou sobre o mistério dessa longevidade. A dieta com muito peixe e poucas calorias é um fator. Não se acham esses idosos no McDonald's. A vida mais tranquila e pouco industrializada, também. Como se trata de uma ilha, a genética das pessoas também parece ser um fator. O que ninguém estuda é a potência da comunidade gerando essa proteção. Há uma rede impressionante de afeto e de relacionamentos nesse grupo, onde cada um se vê cuidado e cuidando de seus vizinhos. Como uma grande família, ou como as famílias poderiam ser. Sistemas de colaboração, não de competição. Sistemas de Silêncio, não de barulho.
Corta a cena e o documentário vai para Tóquio, onde uma jovem viúva fala dos últimos meses de vida de seu marido, Gerente de Produção de uma montadora de carros. O excesso de trabalho, o sono interrompido por telefonemas e problemas graves da linha de produção, as metas enlouquecidas, tudo isso foi tornando seu marido triste, solitário e isolado mesmo de sua filha bebê. Um belo dia ela recebe uma ligação dizendo que seu marido, que não completara quarenta anos, tivera uma parada cardíaca com morte imediata. Não é difícil estabelecer um paralelo entre um estilo de vida e outro, bem como seus resultados. Vamos trazer Okinawa para casa?
Vivemos uma época com muita poluição mental: somos bombardeados de informação, vídeos, filmes, fotografias e excesso de estímulo que cria a sensação permanente de falta. Eu devia saber mais, devia estar mais antenado, devia ser mais produtivo e ter alta perfomance. O excesso de estimulação e de tarefas tira um espaço muito, muito importante em nossa vida, que é o espaço para o Nada. Para o silêncio. Para desconectar de toda a tempestade de estímulo. Descansamos pulando de vídeo em video do YouTube, de foto em foto das Redes Sociais. Isso significa que não há espaço para o descanso. Nem para um detox de estímulo.
A Psiquiatria descreve há poucos anos um novo quadro ansioso, a Nomofobia, uma doença em que a pessoa fica completamente em Pânico em um lugar que não tenha Wi-Fi. Não sai do quarto, com medo da Desconexão. A punição mais temida da molecada é ficar sem o celular, o tablet e a Smart TV. Ficar longe da internet é como perder a visão e a audição. Ou uma parte do corpo.
As culturas orientais valorizam o silêncio, a capacidade de fazer as coisas com vagar, sentindo os passos, os cheiros, os gostos da vida. Um jeito de nos rebelar contra o bombardeio de mídias, de tarefas, de discursos de medo e de ódio é reaprender a recarregar as energias em qualquer lugar: ficar em silêncio no barulho, desligar o celular antes de ir para cama, frequentar ambientes isentos de Internet e recuperar a capacidade de Silêncio (note o leitor quantas vezes essa palavra Silêncio aparece nesse texto), mesmo que todos estejam gritando à sua volta. Se estamos perdendo a batalha por um sono mais duradouro, precisamos de um sono mais efetivo. A cama tem que ser lugar para dormir e para boa vida sexual (que aliás melhora o sono). Mais nada. Para dormir bem, o sono deve ser protegido e preparado. Como um espaço sagrado.
Ter um lugar para o cuidado mútuo leva a uma vida mais longa e feliz.
Comer, rezar e amar (além de dormir) podem ser espaço de recarregar as baterias. Podemos comer devagar, rezar agradecendo ou aprendendo a meditar. E amar agora, não quando as metas infinitas estiverem batidas. É isso que pode subverter nossa Sociedade do Cansaço e do Burnout. Ou ficaremos obesos, com a pele estragada e com o bimbo pequeno. Não parece ser difícil escolher a melhor opção.
*Marco Antonio Spinelli é médico, com mestrado em psiquiatria pela Universidade São Paulo, psicoterapeuta de orientação junguiana e autor do livro “Stress o coelho de Alice tem sempre muita pressa”
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