Cuca tinha apenas 11 jogos e pouco mais de um mês à frente do Santos, em 15 de setembro de 2020, quando demonstrou incômodo por alguns questionamentos.
O técnico mudou de tom durante uma entrevista ao ser
questionado sobre as escolhas de Pará e Alison como titulares, minutos após
empate sem gols com o Olimpia (PAR), na Vila Belmiro, pela terceira rodada da
fase de grupos da Libertadores.
"Nós tiramos o Alison durante o jogo. Melhorou depois
que ele saiu? Quantas chances tivemos a mais? Não se trata de culpar um
jogador", rebateu Cuca na ocasião.
Pará era visto quase como um intruso naquele time,
responsável por frear a ascensão do lateral Madson, que vinha de atuações
consistentes. Alison costumava ter destacada a técnica pouco refinada no meio
de campo que formava com Carlos Sánchez, hoje lesionado, e Diego Pituca.
Confirmados na decisão deste sábado, às 17h, no Maracanã,
ambos superaram questionamentos para virarem a alma da redenção do Santos na
temporada.
O capitão Alison, 27, é visto desde cedo como um exemplo de
superação dentro do time. Chegou ao clube ainda com 11 anos, longe de ser
apontado entre as promessas mais comentadas internamente por dirigentes, mas
sempre figurando como titular com todos os treinadores nas categorias de base.
"Costumo dizer que é um jogador que corre por dois, que
ocupa o espaço de dois dentro de campo, que não tem vaidade, que se doa.
Queremos sempre [um jogador assim] na equipe", disse o técnico Claudinei
Oliveira, com quem o atleta trabalhou principalmente no sub-20 do clube.
Atual treinador do Avaí, Oliveira relembra um pedido
inesperado de Alison em janeiro de 2013. Já no profissional e recém-recuperado
de duas sérias lesões sequenciais de rompimento de ligamento cruzado anterior
dos joelhos, que colocaram a sua carreira em xeque e lhe deixaram com
cicatrizes evidentes, pediu para voltar à base e disputar a Copa São Paulo.
"Ele me falou que queria participar. Falei para ele
pensar bem, pois poderia perder o espaço que tinha [no profissional]. Chegamos
na final com cinco jogadores para quatro vagas no meio de campo. Ele quis
começar jogando de lateral para ajudar", conta o treinador.
Antes da decisão do torneio no Pacaembu, Alison inflamou
companheiros com seu discurso. "Vamos fazer valer a pena", iniciou de
forma contida e cabeça baixa, antes se posicionar no centro da roda de
jogadores e subir o tom: "se precisar, temos que deixar as duas pernas dentro
do campo, c.... Os dois braços, o pescoço. Se precisar, temos que deixar a
nossa vida dentro do campo, c..., mas a gente não perde", esbravejou.
Já em 2021, no vestiário em La Bombonera antes do jogo de
ida da semifinal da Libertadores contra o Boca Juniors, sua preleção viralizou
pela frase "a gente não pipoca pra ninguém" e ao retrucar um programa
de TV argentino que havia dado ao Santos 4% de chances de título, entre os
semifinalistas.
"Quatro porcento é muito, rapaziada, 4% é muito pra
gente. Quando a gente saiu de casa e deixou a nossa família lá, pra correr
atrás do nosso sonho, a gente não tinha 4% de chance de chegar aqui. Tinha bem
menos", discursou.
Além de desconfianças, o volante também superou no Santos
uma terceira cirurgia no joelho. Recebeu da torcida o apelido
"MMAlison" e "Pitbull", pela intensidade demonstrada a cada
partida, mas provou com Cuca ser mais do que isso. Tornou-se peça de encaixe
tático fundamental da defesa formada por Luan Peres e Lucas Veríssimo.
"Alison é o capitão, é a liderança. É questionado às
vezes por algumas pessoas, mas a gente sabe da importância que tem. Existem
jogos em que ele é fundamental, como foi o confronto do Boca, aqui e lá",
elogiou o treinador.
Pará, 34, também se reencontrou na volta ao clube. Causou
estranheza, em agosto de 2019, o anúncio do retorno à Vila Belmiro. Contestado
por parte da torcida e visto como jogador de pouco valor técnico, parecia
incoerente o pedido do então técnico Jorge Sampaoli até ali.
"O que eu mais gostava era a determinação dele, a disciplina
tática, o respeito à hierarquia. Nunca ligou para críticas", lembra o
técnico Sérgio Soares, com quem trabalhou no Santo André, no início de
carreira.
Nascido em São João do Araguaia (no Pará, a 725 km de
Belém), trabalhava com o pai como servente de pedreiro. Levado a São Paulo para
testes por um empresário, foi abandonado na capital sozinho, com 13 anos.
Passou fome, morou de favor em uma pensão e chegou a dormir
de forma improvisada na guarita do campo do Barcelona Esportivo Capela, clube
da capital paulista. Foi observado pelo Santo André após um quadrangular de que
participou com o Barcelona.
"Ele chegou aqui quietinho, nunca criou problemas.
Morava no alojamento, começou como volante, mas sempre que o colocavam em outra
posição correspondia", conta Celso Luiz de Almeida, presidente do clube do
ABC na época.
Pará chegou ao Santos em 2008 e ficou até 2012. Ao lado do
goleiro Vladimir, é o único remanescente da conquista da Libertadores de 2011.
Passou por Grêmio, Flamengo e voltou como um líder do elenco, não mais como o
coadjuvante da geração Neymar e Paulo Henrique Ganso.
Além da evolução técnica dentro de campo, ajudou a apaziguar
ânimos na discussão entre jogadores e diretoria na maior crise financeira
vivida pelo clube ao longo da temporada, que acumulou dívidas em pagamentos de
salários e direitos de imagem.
O Santos chegou a cinco meses de atrasos e divergiu com
jogadores sobre os 70% de corte salarial durante a pandemia. Nomes como Eduardo
Sasha e Everson entraram na Justiça.
Em uma das reuniões, Pará pediu a palavra e discursou sobre
a dificuldade vivida pelo mundo. Lembrou a jogadores sobre a oportunidade de
vestirem a camisa do Santos. Ganhou a braçadeira de capitão e a confiança de
Cuca, que passou a utilizar Madson mais avançado.
Se vencer a Libertadores, o lateral conquistará a sua
terceira taça do torneio -já venceu em 2011 pelo Santos e 2019 pelo Flamengo.
Chegou a hora de os carregadores de piano brilharem.
Fonte: Folhapress
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