No que depender dos organizadores, se não houver uma vacina contra a Covid-19 até dezembro, vai ser muito difícil colocar o bloco na rua em fevereiro. Nem mesmo os super-heróis do Desliga da Justiça conseguirão salvar o carnaval. Essa é a posição atual das ligas de blocos Sebastiana, Amigos do Zé Pereira, Carnafolia, Liga João Nogueira, Sambare e Coreto, e de grandes blocos como Bola Preta, Bloco da Anitta, Fervo da Ludmila e Monobloco.
Muita coisa pesa sobre essa decisão e as respostas parecem distantes. No entanto, há consenso de que é preciso ter responsabilidade para promover esse tipo de encontro, em que pese a existência de condições seguras de saúde para as pessoas. Bloco carnavalesco pressupõe aglomeração do início ao fim, com contatos de primeiríssimo grau entre beijos, abraços, compartilhamento de bebidas e de transportes públicos. Nem as máscaras serão suficientes para manter o carnaval.
Com isso, os blocos estão adiando a conversa para os meses de setembro e outubro, quando o cenário deverá estar mais claro em relação a alguns fatores primordiais: 1) a evolução de uma vacina contra o vírus, condição determinante; 2) o conhecimento real do nível de infectados, medido por testagem; 3) o tempo de duração da imunidade adquirida; 4) a criação de protocolos por parte das organizações de saúde responsáveis, em todas as esferas.
Essa não é uma situação nova para o Rio de Janeiro, que passou pela pandemia da gripe espanhola de 1918 e, segundo consta, teve o seu maior carnaval no ano seguinte. Morreram mais de 15 mil vítimas da gripe. Mas, em 1º de março de 1919 explodia o que ficou conhecido como carnaval triunfante, carnaval da ressurreição, ou ainda, da revanche, “a grande desforra contra a peste que dizimara a cidade”, como definiu o escritor Ruy Castro.
Vacina, testagem e protocolos
O Cordão da Bola Preta, o mais tradicional dos blocos do Rio, fez seu primeiro desfile no famoso carnaval de 1919 e, 101 anos depois, pode não desfilar pela primeira vez já que a vacina é condição para a realização do desfile no próximo ano. “Se não surgir, não tem conversa, o Bola não sai”, afirmou Pedro Ernesto, presidente da agremiação.
“Seria muita irresponsabilidade”, alerta o diretor do maior bloco do Rio, que reúne 1,5 milhão de pessoas. Pedro Ernesto considera desfilar em outra data fora do carnaval caso a vacina surja mais à frente e o calendário oficial seja alterado. Mas chama atenção também para a necessidade da testagem. “Precisamos ter ideia de qual é a situação real”, afirma.
O bloco foi criado no dia 31 de dezembro de 1918, já no fim da pandemia da gripe espanhola, por Álvaro Gomes de Oliveira, que ficou mais conhecido como Caveirinha. Segundo Pedro, ele teria ganhado a alcunha depois contrair a doença e ter ficado em “pele e osso”.
Para o médico João Avelleira, diretor da Sebastiana e presidente do Suvaco do Cristo, é preciso ainda esperar para ver se haverá uma segunda onda. Ele acredita que outubro possa ser o mês para uma decisão mais acertada e diz que o desfile do Suvaco está condicionado a vários fatores, mas destaca os números de testagem. “Se chegarmos ao final do ano com grande número de infectados (e para isso temos que fazer muitos testes), a possibilidade de contato com alguém doente diminui, mesmo no carnaval”, explica. Mas, segundo ele, existem outros agravantes. “É preciso saber se a imunidade é duradoura, por exemplo”, alerta.
Na Sebastiana, liga da qual sou presidente, os 11 blocos aguardam a evolução das notícias, torcendo para que a vacina surja até dezembro. Não havendo condições seguras em fevereiro, os blocos poderão fazer algo simbólico em outra data, até mesmo em formato diferente dos desfiles. São decisões que virão ao longo do segundo semestre, dependendo das determinações da Organização Mundial de Saúde, dos estudos científicos e protocolos.
Mesmo caminho seguem os blocos da liga Amigos do Zé Pereira, que já acertaram não deixar o carnaval de 2021 passar em branco, mesmo que em outra data. “Importante que, apesar de tudo, os blocos marquem uma posição”, diz Rodrigo Resende, presidente da associação.
Os megablocos também estão em compasso de espera. Monobloco, Bloco da Anitta e Fervo da Lud estão aguardando definição de protocolos. “Precisamos saber o que pode e o que não pode, além de ter uma posição tanto do governo estadual quanto da prefeitura. Acredito que só em setembro vamos ter uma noção”, diz Flavio Goulart, do Monobloco, que atua em três cidades e teve oito eventos adiados para o fim do ano e março de 2021.
Questão econômica dificulta
A situação para os blocos menores é ainda mais difícil. A Liga Sambare, que reúne 15 agremiações na região da Barra, Recreio, Vargens e adjacências, já confirmou que não haverá carnaval para dez dos blocos associados. Além de aguardarem o surgimento da vacina, ressaltam que a falta de dinheiro para os desfiles agrava o problema. “Os blocos faziam seu caixa com os eventos ao longo do ano e tudo foi cancelado”, explica Valéria Wright, presidente da Sambare. Cinco blocos da liga mantêm um plano, e poderão se juntar em um desfile único.
Mesmo cenário se repete com os 16 blocos da Carnafolia e os 12 da Liga João Nogueira. “Estamos vendo alguma luz no fim do túnel com o anúncio dessa vacina desenvolvida em parceria com a Fiocruz. Vamos torcer”, diz Marcia Rossi, da Carnafolia, que representa os blocos da Grande Tijuca e Rio Comprido. Já na João Nogueira, o clima é de desânimo total. “Tem muita gente com mortes nas famílias. Além disso, sem arrecadar o que fazia caixa para o carnaval, em festas como as de São João”, lamenta Nélio de Souza.
No Coreto, os 38 blocos defendem que a solução será mesmo adiar o carnaval, já que não há previsão concreta da vacina. “É muito risco, da hora que a gente sai à hora que a gente volta”, diz o diretor de Relações Institucionais, Edmaro Rodrigues. “Não acho que seria ruim transferir para junho, quando as condições do clima na cidade podem ser até melhores, com temperaturas mais amenas e sem chuva”, completa.
Protocolo de Intenções
A Riotur, órgão responsável pela organização e infraestrutura do carnaval, enviou comunicado dizendo que estão acompanhando a evolução do controle da pandemia, mas que ainda não é possível falar em definição sobre o carnaval de rua de 2021.
“Vale lembrar ainda que o carnaval é um feriado nacional e envolve outras esferas, e não apenas a municipal, e, no carnaval de rua, envolve também as ligas representantes dos blocos. Além disso, a discussão sobre esse assunto também deve estar de acordo com o Protocolo de Intenções, assinado entre a Riotur, o Ministério Público e diversos outros órgãos públicos, afim de ordenar e melhorar o planejamento do carnaval de rua da cidade. Trata-se, portanto, de uma questão muito ampla, com vários atores envolvidos. Uma decisão sobre este assunto, claro, deve ser tomada em conjunto, sempre baseada em estudos científicos que garantam a segurança de todos. Este cenário, ainda inconclusivo quanto ao futuro desta pandemia, dificulta previsões”.
Enquanto nada se resolve, há quem já esteja fazendo samba parodiando, entre tantas outras coisas, a própria doença. E, a julgar pelo carnaval de 1919, mesmo que o de fevereiro de 2021 tenha que ser adiado, quando acontecer provavelmente será uma explosão de alegria e prazer, depois de tanto tempo de confinamento. Que venham as boas notícias! Evoé!
Rita Fernandes é jornalista, escritora, presidente da Sebastiana e pesquisadora de cultura e carnaval.
Leia mais em: https://vejario.abril.com.br/blog/rita-fernandes/vacina-coronavirus-carnaval-rua/
Nenhum comentário:
Postar um comentário