Irmã Dulce; Foto Divulgação |
Na primeira quinzena de agosto deste ano, a professora
aposentada Miralva Tito Moreno Oliveira, 74 anos, preparava-se para um
procedimento cirúrgico no Hospital da Bahia, em Salvador, para retirada de
cálculos que podiam chegar ao ureter, quando o médico a informou que não seria
mais necessária a operação. “Dona Miralva, a senhora não tem a pedra mais”,
disse o urologista conforme relato da paciente à reportagem.
De acordo com o
exame pré-operatório feito no hospital, o cálculo não estavam lá. Miralva Oliveira
temia dor e desconforto se as pedras chegassem e crescessem no ureter. O risco
havia sido detectado por um exame de ultrassom e confirmado por ressonância
magnética. A paciente mostrou, então, ao médico o santinho impresso da beata
Irmã Dulce, que ela mantinha sobre o abdome, pedindo intercessão de Irma Dulce,
a futura Santa Dulce dos Pobres.
Emocionada, Miralva Oliveira descreve ter recebido “uma
graça” do “Anjo Bom da Bahia” que foi canonizada hoje (13) pelo papa Francisco
na Praça São Pedro, no Vaticano; e se tornou a primeira santa brasileira. A
celebração litúrgica reuniu cerca de 50 mil pessoas. A ex-paciente comemora a
canonização da religiosa, "uma santa brasileira e baiana! A gente só pode
ter orgulho de louvar a Deus”, diz Miralva. Para a pesquisadora baiana
Thiaquelliny Teixeira Pereira, que escreveu tese de doutorado sobre a construção
social da santidade, Irmã Dulce já é considerada santa pelos brasileiros e, em
especial, pelos baianos. "População brasileira é pouco entendida na
questão da liturgia, é um povo de muita fé e de pouco conhecimento
teológico", observa.
"[Há] Pessoas que são cultuadas pela população baiana à
procura de milagres, de terem suas aflições respondidas", revela a
pesquisadora. Conforme o jornalista Graciliano Rocha, autor da biografia Irmã
Dulce, a santa dos pobres, são comuns relatos de fieis, como Miralva Oliveira,
descrevendo recuperação da saúde e o recebimento de outras graças após fazer
orações e promessas à Irmã Dulce. “Há um imenso mosaico de fé popular. A
devoção à Irmã Dulce mobiliza todo o tipo de gente, de qualquer classe social”,
descreve o biógrafo que realizou pesquisa por oito anos no Brasil, no Vaticano
e até nos Estados Unidos. Segundo ele, nos vinte anos após a morte da beata
(entre 1992 e 2012) mais de 10 mil relatos de graças foram descritos em cartas
de fieis. “É impossível não perceber beleza na devoção das pessoas”, observa o
biógrafo após leitura de amostra dessas mensagens para escrever o livro. Há nas
cartas “a inquietação genuína dos devotos”, principalmente de “causas ligadas à
saúde”.
Hospital no lugar do galinheiro
Para o Graciliano Rocha, a vinculação à saúde tem muito a
ver com o trabalho e o legado que a beata deixou após 60 anos dedicados à vida
religiosa e à assistência aos mais pobres.
Atualmente, as Obras Sociais Irmã Dulce (Osid) contabilizam
2,2 milhões de procedimentos ambulatoriais por ano, e dispõem de 954 leitos em
cinco hospitais. Segundo descreveu Maria Rita de Souza Brito, sobrinha da
freira e superintendente das Osid, à agência de notícias do Vaticano, o
complexo hospitalar interna, por ano, 18 mil pessoas, realiza 12 mil cirurgias,
atende 11,5 mil pessoas em tratamentos de câncer. As obras sociais tiveram
início no ano de 1949, quando Irmã Dulce ocupou um galinheiro ao lado do
Convento Santo Antônio para cuidar de 70 doentes. Onze anos depois, a futura
santa cuidava de um hospital que dispunha de 160 leitos. “Era um momento que
não havia direito à saúde pública. As pessoas para serem atendidas em hospital
público tinham que ter carteira de trabalho assinada. O hospital dela era o
único que não rejeitava ninguém. Isso foi fundamental para que o colapso da
cidade de Salvador não tenha sido pior na segunda metade do século 20. Isso é a
base da santidade que ela tinha em vida”, avalia o biógrafo. Sérgio Lopes,
assessor corporativo das Osid, avalia que erguer a infraestrutura de
atendimento hospitalar - e que também oferta ensino fundamental para 750
crianças e adolescentes, e fornece 1,7 milhão de refeições gratuitas por ano –
“foi o primeiro milagre de Santa Dulce dos Pobres.” O assessor crê que a
canonização “vai aumentar a visibilidade” do trabalho da Osid e ajudar o
fechamento das contas.
A freira providenciou colchão e um candieiro para o menino
passar a noite, forneceu alimento, pediu que a irmã do pároco da Igreja do
Bonfim cuidasse do garoto. Ela depois voltou com o médico. “Irmã Dulce atendeu
o menino. No dia seguinte, tinha diante de si uma cancerosa, que ela atendeu.
Depois apareceram mais alguns necessitados, e ela foi atendendo”, complementa
Dom Murilo Krieger, arcebispo de Salvador, em entrevista por escrito à Agência
Brasil. O arcebispo ressalta que Irmã Dulce “era de baixa estatura, pesava
somente 45 quilos, tinha uma saúde muito precária, dormia três ou quatro horas
por noite etc. E, no entanto, foi à luta. Foi fazendo o que podia fazer, à
medida em que os desafios se multiplicavam à sua frente”.
O religioso também assinala que “mais e mais as pessoas
estão descobrindo a importância da vida de Irmã Dulce e do legado que nos
deixou. E isso é muito importante porque o número de pobres, doentes e
necessitados só aumentou e, por isso, há necessidade de muitas outras Irmãs
Dulce.” “O trabalho de Irmã Dulce era dedicado aos pobres mais pobres, aos
desvalidos, aos sem casa, aos que estavam na sarjeta: o marginal, a prostituta,
o bandido. Ela tinha o coração aberto a todo mundo”, comenta o advogado Antônio
Gilvandro Martins Neves, que conheceu Irmã Dulce no final dos anos 1960 e teve
sua ajuda para fundar uma casa de estudante em Salvador e depois manter um
hospital beneficente em Paramirim, no interior da Bahia.
O biógrafo Graciliano Rocha acredita que a dedicação aos
mais humildes pesou favoravelmente na decisão de canonizar Irmã Dulce. “Ela via
no pobre a figura de Jesus Cristo a ser acolhido. Esse era o imperativo ético e
religiosos que a movia”, comenta. Para a Thiaquelliny Teixeira Pereira, a
canonização de Irmã Dulce não vai reverter o quadro social que se agrava
segundo estatísticas oficiais que atestam aumento de pobreza e desigualdade,
“mas é sempre bom ter em evidência alguém reverenciável que olha para os
pobres”.
Fonte: Agência Brasil |
Fonte: Agência Brasil
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